Volta aos Açores em quinze dias

 

José Pedro Castanheira será por muitos reconhecido como um jornalista português que integrou o quadro de diversos jornais, entre os quais o Expresso, onde, durante quase trinta anos, se dedicou à grande reportagem e ao jornalismo de investigação. Desempenhou ao longo da sua carreira cargos no Sindicato dos Jornalistas e, a solo ou em coautoria, é responsável por mais de uma dezena de livros, dos quais emerge o título, Jorge Sampaio – Uma Biografia (Porto Editora, 2022). O último trabalho do autor, Volta Aos Açores Em Quinze Dias, Diário De Bordo De Uma Viagem Para (Não) Esquecer, ou simplesmente VA15D, como o próprio decidiu designá-lo, foi a sua primeira incursão literária fora do âmbito do jornalismo, sendo que a mesma enquadrar-se-á naquilo a que, por definição, designamos por Literatura de Viagem.
Assumindo-se como um Diário de Bordo, este conjunto de textos nasceu no âmbito da concretização de um sonho acalentado durante quarenta anos, por este apaixonado pelo arquipélago açoriano: “Dar uma volta pelas ilhas dos Açores num barco à vela, com um grupo de amigos, e explorar as suas extraordinárias belezas […]”. Como qualquer diário de viagem, teve como primeiro desígnio a eternização de todas as peripécias ocorridas quer a bordo do Avanti – o veleiro alugado na marina da Horta, e que se viria a revelar a embarcação certa para esta “empreitada” –, quer em terra, onde a jornada ganhou inesperados motivos de interesse, dignos de figurar nestes registos diários, inicialmente pensados para partilha com a família e amigos mais ou menos próximos. Não resista, todavia, a ideia de fragmentação; os textos, conexos, consubstanciam-se numa obra sólida e, sobretudo, muito harmoniosa. O que se levou a publicação não se resume à “simples transcrição das entradas diárias”. Houve o cuidado posterior da revisão textual, burilando-se cada uma das entradas agora partilhadas com o público leitor.
Para além de uma nota introdutória, em jeito de contextualização, e de um prefácio assinado por Onésimo Teotónio Almeida, encontramos um total de dezoito entradas sequenciais, que se configuram como outros tantos capítulos, cada um coroado com uma espécie de sumário, o que se revela bem agradável, tal a curiosidade que suscita. Já no final da obra, o leitor é surpreendido com um texto adicional que, nas palavras do autor, surge “À laia de posfácio”, e que, de alguma forma, restitui alguma justiça ao desfecho de toda esta jornada, que tão mal poderia ter terminado! Ao longo do texto, vão surgindo diversas imagens – sejam fotografias captadas pelos tripulantes do Avanti, sejam ilustrações, da autoria de David Casta –, que conferem um apoio muito interessante à leitura, ora transportando o leitor para os locais referenciados, ora prestando algum “amparo geográfico”, especialmente na representação inicial das diversas etapas que constituíram esta audaz jornada.
Esta foi uma viagem planeada minuciosamente. Como antes se referiu, representa um sonho com quarenta anos, e, depois, vítima de sucessivos adiamentos (considerando a época pandémica), houve tempo suficiente para detalhar cada passo dado, cada milha navegada; houve estudo e análise das rotas e da meteorologia, e, acauteladas todas as possíveis vicissitudes, respirava-se uma certa dose de confiança, sendo que os ânimos se mostravam de feição. Originalmente, contemplava paragem em sete das nove ilhas do arquipélago, excluindo-se as do grupo ocidental, dada a escassez de tempo: quinze dias seriam insuficientes. (Remete-nos esta incompletude para uma outra obra de idêntico propósito, escrita por Guilherme de Morais, Ilhas do Infante (Artes e Letras, 2019), onde também se lamenta a ausência da passagem pela ilha Terceira, para dessa forma poder amplamente “[…] decorar o poema de beleza que existe em cada uma, para escutar a alma que palpita em todas – Portugal.”).
Embora com inúmeras passagens pela Região Autónoma dos Açores e, certamente, com um profundo conhecimento acerca do mar e da meteorologia que por cá se faz sentir, não contavam estes aventureiros com “a onda de azares, más sortes e infortúnios” que Éolo e demais deuses lhes tinham reservado. À semelhança do que aconteceu a Ulisses no seu atribulado regresso a Ítaca, também nesta viagem a Zéfiro impuseram-se outros ventos bem mais tormentosos e desagradáveis, condições inesperadas que nem os mais potentes instrumentos de navegação conseguem prever. Como qualquer açoriano dirá, nas ilhas ocorrem as quatro estações num só dia, e, previsões, acredite nelas quem quiser!
Este é um livro sobre os Açores, sobre o mar dos Açores e, por isso, e apesar das contrariedades narradas, conserva uma frescura muito agradável, conferida, sobretudo, pelo recurso a uma linguagem acessível, arejada, mas sempre muito cuidada. Arrisquemos, pois, o embarque no Avanti, e acompanhemos em segurança este afoito grupo de gente simpática e aventureira, numa expedição bem real por este naco de mar plantado na imensidão do Atlântico. 

José Pedro Castanheira, Volta Aos Açores Em Quinze Dias, Tinta da China, setembro de 2022 

 

• Telmo R. Nunes