Os Fusíadas da América do Norte (3)

 

A reportagem do segundo convívio, publicada no jornal Portuguese Times, teve como introdução os pontos benéficos dos convívios regionais e a maneira como se estavam a tornar cada vez mais populares. No caso concreto destas reuniões ribeiragrandenses, Augusto Pessoa, autor da dita  reportagem, avançou-nos esta notícia:
“Curiosamente, ali para os lados do Canadá, também já há projetos para um encontro semelhante, como disse Dinis Paiva, que foi Mestre de Cerimónias.”
Depois, como se estivesse inventado a pólvora, deu-nos esta sugestão:
“Bom será que se pegue na ideia. E porque não um intercâmbio entre os ribeiragrandenses dos ‘States’ e do Canadá?”
Na verdade, na Nova Inglaterra já se tinha pensado nisso, e uma questão de tempo daria lugar à concretização deste projeto. E foi o que aconteceu, mais tarde, graças ao dinamismo da comissão responsável pelo terceiro grande encontro, que começou por desenvolver contactos com um grupo de ribeiragrandenses residentes em Montreal e arredores, na província canadiana de Quebeque.
Na parte velha daquela cidade um número bem composto de imigrantes oriundos da Ribeira Grande cultivava os seus valores culturais e mantinha vivas as suas tradições, conforme as rotações do eixo motriz da Missão de Santa Cruz.
Já de há muito, até aquela data, naquela igreja celebravam a Senhora da Estrela e o Sagrado Coração de Jesus nos mesmos dias em que eram festejados na Ribeira Grande. Ou seja: 2 de fevereiro ou domingo mais próximo, e  primeiro domingo de setembro, respetivamente.
Fevereiro é um tanto-quanto ruim para uma viagem de automóvel entre Fall River e Montreal. Mas no primeiro fim de semana de setembro até se faz esta viagem por gosto. Tanto que, até chegámos na segunda metade dos anos oitenta, a ir várias vezes consecutivas, às festas do Sagrado Coração de Jesus. 
A primeira segunda-feira de setembro é dia feriado nos dois países. Tanto nos Estados Unidos, como no Canadá celebra-se o Labor Day (dia do labor, ou do trabalho). Por isso, aquele fim de semana ainda nos facilitava umas mini-férias, nas quais a festa, em si, só servia de pretexto para lá ir, e assim aproveitávamos para explorar a cidade em todos os seus quadrantes. Mas daquilo que a memória guardou, sobressai-nos retratos de alguns personagens responsáveis pela realização da festa, como por exemplo: o atarefado Guilherme Cabral, o andar apressado de Duarte Farias, e a boa-disposição (inconfundível e inigualável) do Norberto Pereira, todos três falecidos, tendo este último partido para a eternidade há menos de um mês, entre outros.
Além disso, não esquecerá o momento arrepiante de ouvir o hino do Sagrado Coração de Jesus, executado pela Filarmónica Portuguesa de Montreal, à saída da magnífica imagem, que, de facto, embora mais pequena, é mesmo muito parecida com aquela que se venera na Matriz da Ribeira Grande.
Recorde-se que o mundo ainda era enorme naquela altura. Não havia Facebook, nem “live images” nem os outros meios de comunicação à velocidade da luz, que agora usamos. Por isso, a saudade doía. Sim, doía muito.
Mas voltemos o fio à meada, porque depois desta apresentação ligeira do dinamismo fuseiro em terras de Quebeque, será fácil deduzir que, com palavras a modos, dirigidas às pessoas certas, o objetivo seria facilmente realizado.
O ano de 1995 foi praticamente decisivo para a solidificação do grupo de amigos na Nova Inglaterra. Foi nele que se começou a implantar medidas e regras na comissão organizadora dos convívios anuais, e a partir dele o grupo de amigos se tornou realmente uma organização. O nome de Amigos da Ribeira Grande veio mais tarde. Por esta altura só tinha o nome de “Convívio do Concelho da Ribeira Grande”, o que nunca atingiu este galardão na sua plenitude.
Várias freguesias do concelho tinham os seus próprios convívios, e em todos os nossos encontros mais de setenta por cento dos convivas eram oriundos da Matriz e da Conceição. Cerca de vinte e cinco por cento da Ribeirinha, Ribeira Seca e Santa Bárbara. Os outros cinco que faltam na percentagem ou iam de empurrão, ou porque tinham estreitos laços com o pessoal da cidade.
José Motta Faria, que foi o presidente da organização, naquele ano, preocupou-se em arranjar membros novos para o grupo. Na lista surgem os nomes de Alfredo e Fátima da Ponte, Alda e Hildeberto Pacheco, José António e Helena Pacheco, Fernando Luís Ponte (Crispim) e esposa, Armando e Maria Alves. Repare-se que já se regista nomes femininos, e a partir daqui, o número de casais domina de longe a percentagem de elementos na equipa. 
Dinamizou-se o grupo de tal forma que se resolveu oferecer bolsas de estudo a estudantes naturais e descendentes de naturais do Concelho da Ribeira Grande.
Além disso, como forma de gratidão à terceira idade, a organização resolveu dar entradas grátis para o convívio anual a todas as pessoas naturais do concelho, com mais de setenta e cinco anos, e redução de preço em 50% para aqueles com idades compreendidas entre 70 e 74.
Para que estas duas iniciativas pensadas se tornassem realidade foi necessário angariar fundos monetários. Por isso, realizou-se antes da grande festa um jantar no clube  New Bedford Sports. Pelo sucesso alcançado, no ano seguinte se realizaram dois. Um em New Bedford e o outro em Fall River.
Estes jantares de angariação de fundos, que juntavam em confraternização cerca de duzentas e cinquenta pessoas, também eram conhecidos por “festas”. As “festas pequeninas”, para diferenciar das grandes. Festas, porque quando os ribeiragrandenses se juntam, tornam sempre o cenário num ambiente festivo. As próprias reuniões de trabalho do grupo também são festas. E fazem festas sem mostrar os dentes.
Nestas festas pequenas os membros da organização trabalharam muito, sem medir esforços, até na preparação das comidas, que tinham por chefe o sr. Armando Alves, um continental casado com a sra. Maria Alves, acabando por ser tão fuseiro como todos os outros. Considerava-se a si próprio “ribeiragrandense por injeção”.
Em New Bedford, Alda Pacheco e seu marido Hildeberto eram os coordenadores destes eventos. Em Fall River estes cargos estava às costas de António Pacheco (Raquel) e da sua esposa Connie.
Alguns anos mais tarde também se fez uma destas pequenas festas em Cambridge. Foi muito trabalho; e a acumular, naquela altura tínhamos de carregar connosco os nossos filhos, por serem menores de idade. Mas tudo se fez pelo amor à nossa terra e à nossa gente.
O terceiro convívio realizou-se a 5 de Novembro de 1995, no restaurante White’s of Westport e teve como convidado de honra o ilustre médico ribeiragrandense, Dr. António Crispim Borges da Ponte, ao mesmo tempo representando a Assembleia Municipal da Ribeira Grande, da qual era presidente. Neste ano três juntas de freguesia se fizeram representar: Matriz, com Albano Garcia; Ribeira Seca, com António Melo; e Fenais d’Ajuda, com Dinis Melo.
O empresário Eduardo Ferreira também cá esteve, e ofereceu aos convivas, contra a vontade dos proprietários do restaurante, uma prova dos licores da sua fábrica.
A terceira confraternização foi louvada de muitas maneiras porque mostrou publicamente um novo dinamismo, e o “convívio” tomou um rumo irreversível, pelo qual se manteve vivo e bem vivo, por muitos anos, até à chegada da pandemia de 2020.
Foi também neste terceiro ano que se publicou pela primeira vez o chamado livro-programa, que no ano seguinte passou à forma de revista, e sem o qual o convívio ribeiragrandense não seria o que chegou a ser.
No dia seguinte ao convívio realizou-se um jantar privado com os elementos da comissão e com os convidados que nos deram a honra das suas presenças, ao qual foi posto o nome de “jantar de despedida”.
Esteve entre nós, sem muita gente saber, um rapazinho chamado João Ferreira, que naquela altura trabalhava como repórter para O Jornal. Alguns dias depois, ao sair a edição daquele semanário via-se em destaque na página 14 uma bonita reportagem intitulada “Ribeiragrandenses de Calibre”, que para além de falar do sucesso do convívio que contou com cerca de 700 pessoas, registou detalhadamente a noitada da comissão com os convidados.
De facto, foi uma festa de arromba, que teve início às seis horas da noite de segunda-feira e terminou às quatro da manhã do dia seguinte, entre fados e guitarradas, comidas e bebidas, anedotas a torto e a direito. E quando Dinis Paiva está presente, é mesmo para partir ou rachar de rir. Foi uma noite memorável. Ao que se sabe, depois desta folia, com exceção dos visitantes, todos foram trabalhar. Uns começaram às seis, outros às sete.
Ainda sobre o convívio, propriamente dito, apareceu no O Jornal, em edição de 22 de novembro daquele ano de 1995, um louvor de Carlos Braga, de quem nem por sombras se esperava. Ao que parece, por ter nascido no Nordeste havia sido excluído por alguém da lista dos filhos da Ribeira Grande. Por isso, aproveitando a tinta que lhe corria na pena, como último parágrafo fez este desabafo:
“Curiosamente chamo à Ribeira Grande de minha – lá é que me criei, lá é que eu fui para a escola, tendo sido meus professores os senhores Serafim e Abel Dinis, já falecidos; lá me fiz homem, lá casei-me com uma bonita ‘fuseira’, e temos dois filhos nascidos na freguesia de Nossa Senhora da Conceição. Sim sou ‘fuseiro’ por direito e com muito orgulho.”
E hoje ficamos por aqui. Haja saúde!  

Fuseiro que fuso não usa
Não pode fiar algodão.
Mas nunca trabalho recusa,
Por isso agrada o patrão.

 

(Continua)