Da Terceira a São Miguel num barquinho de papel

 

Completam-se no próximo sábado, 18 de maio, 129 anos sobre a arrojada aventura de Francisco Moniz Barreto Corte Real que, em 19 de maio de 1895, cobriu as 90 milhas que separam as ilhas da Terceira e São Miguel num pequeno barco de papel.
Nascido a 24 de novembro de 1868 na Praia da Vitória, ilha Terceira, Francisco Corte Real foi cavaleiro tauromáquico, caçador e, fazendo jus ao apelido, navegador solitário numa época em que isso não estava na moda e era mais arriscado, devido à falta de comunicações.
A construção do barco de papel (jornais colados uns aos outros) foi ideia de José António Teles Pamplona, patrão-mor do porto de Angra e antigo oficial da marinha mercante.
Pamplona ofereceu o barco, que media três metros de comprimento e um de largo, a um filho de Henrique de Castro, que por sua vez o emprestou a Francisco Corte Real para umas voltas no porto de Angra e terá começado aí, em 1894, a ideia de navegar até São Miguel.
Inicialmente eram três os aventureiros, mas dois desistiram e Francisco Corte Real acabou por se fazer ao mar sozinho na madrugada de 17 de Maio, munido de uma bússola, um garrafão de água, uma garrafa de aguardente e umas bolachas.
Ao dar pela falta do amigo, Henrique de Castro telegrafou a José Arruda em São Miguel, que era empregado da Casa Bensaúde e providenciou no sentido do vapor D. Amélia sair à procura do barquinho de papel.
Apesar dos rudimentares conhecimentos das artes de marear, o arrojado terceirense alcançou São Miguel e o barco, que viria a ser doado ao Museu de Angra, foi levado em triunfo na carreta dos Bombeiros Voluntários de Ponta Delgada e esteve exposto na Exposição de Indústrias e Artes.
Francisco Corte Real teve acolhimento de herói, com passeios às Furnas e Sete Cidades e as despesas de alojamento por conta dos Bombeiros, que também custearam a viagem de regresso à Terceira.
À chegada a Angra, segundo jornais da época, Corte Real foi aplaudido por mais de 15 mil pessoas.
A 1 de setembro de 1899, Francisco Corte Real voltou a fazer-se ao mar em nova aventura: largou de Angra rumo a Lisboa numa chalupa de cinco toneladas com sete metros de comprimento e três de largo.
A aventura durou 13 dias e podia ter acabado mal. Após oito dias de viagem tormentosa devido ao mau tempo, quando estava a 60 milhas da costa portuguesa, Francisco Corte Real foi atingido pela retranca na cabeça, perdeu os sentidos e a embarcação ficou à deriva. Cinco dias depois, Corte Real foi recolhido pelo patacho inglês Clementine, que navegava da Terra Nova para Cartagena.
Os ingleses deixaram Corte Real em Cartagena, onde o cônsul de Portugal providenciou o seu regresso a Portugal de combóio. Chegou a Lisboa a 7 de outubro de 1899.
Francisco Corte Real tentou a sorte no Brasil, mas juntou-se depois à mãe, Amélia Augusta do Canto Moniz, e aos irmãos, Miguel e Luis Corte Real, que viviam em New Bedford. Casou e acabou por fixar residência na ilha de Martha’s Vineyard, onde faleceu aos 71 anos, a 16 de outubro de 1939.

 

• Eurico Mendes