Meu Aroma d’Abril

 

Adoro abril e não escondo que espero ansiosamente pela frescura dos seus dias e os aromas nos seus ares. Os perfumes da primavera puxam-me para o quintal que vai ganhando cor e vida verde que consola a ver. Viro-me para o jardim, a pedir-me uma mão para lhe mondar as ervas danadas para lhe ocultarem as flores e não resisto em enfiar ambas as mãos na terra ainda a querer livrar-se dos massacres do inverno, que até nem é muito massacrante cá por esta temperada área da baía de San Francisco, mas faz-me sempre bem sentir abril na ponta dos dedos engaranhados pelo frio sem dó dos meus ossos cada vez mais vergados às agruras dos anos que se amontoam e não me perdoam. “Lembras-te de quando eras mais novo, Luciano?” Claro que me lembro de cada ano, de cada mês e sobretudo daqueles dias cujas alegrias jamais poderei esquecer. Recuando ao meu tempo de rapaz ainda no outro lado do Atlântico, apraz-me recordar aquela sublime sensação primaveril de há meio século, quando os ventos da liberdade me arejaram a mocidade de forma inesquecível.
“Abril, importas-te de sorrir, este ano, como nunca dantes?” A curiosa pergunta surgiu-lhe espontânea por parte da História farta de o ver tristonho no desabrochar de cada primavera sempre privada desses tais aromas subtis que ajudam a fazer o povo mais feliz. Entre eles, o da Liberdade, encarcerada desde há muito, veio mesmo a calhar. “Já não era sem tempo”, agradeceu a nossa boa gente comovida de contente por lhe terem soltado as amarras a estorvarem-lhe até mesmo a espontaneidade dos sorrisos, um absurdo que não dá para perceber. Porque não está certo negarem-se às pessoas os seus mais básicos direitos e preciosos prazeres. Este meu de rimar, por exemplo, era dos tais então também muito vigiados e até proibidos sempre que se atreviam fazer cócegas aos rudes gadanhos da reles Censura, essa malvada velha aliada à podridão do nojento regime todo orgulhoso em encher as suas cadeias com gente acusada apenas de ter outras ideias. É preciso ter lata, não é? Por isso, e outros absurdos mais, tornou-se inevitável abril vir como veio, há meio século, trazer ao nosso pequenino jardim à beira-mar plantado aquela lufada de fresco ar primaveril que tanta falta lhe estava a fazer no curso duma já quase milenar História a pedir-lhe urgente mudança de rumo. E ainda bem que aconteceu para bem do povo que, embora sem deixar de ser vítima da porca demagogia política, ao menos passou a poder contar com a preciosa voz do voto dando-lhe a oportunidade de manifestar livremente o seu pensar e expressar o seu querer. Quero, por conseguinte, hoje e aqui, soltar e partilhar o que me vai na alma há muito imigrada, mas jamais afastada das raízes do berço onde se viu moldada.

Abril, da tua frescura,
Inconfundível beleza
Solta-nos magia pura
Nos ares da Natureza.

Trazes sons à primavera
Mais cores ao meu jardim
E sorrisos, quem me dera
Eu tê-los sempre assim.

Oiço pássaros nos ninhos
Chilreando sinfonias;
Adoro ouvir melrinhos
Alegrando os meus dias.

Ao descerem lá do céu,
Poisando no meu quintal,
Fazem-me sentir ilhéu
E bem feliz como tal.

Na Ilha e em rapaz,
Via abril com bons olhos;
Ó tempo volta p’ra trás!
Ai saudades aos molhos!

Com a Páscoa me vinha
Novo fulgor e encanto
Na devoção que eu tinha
P’lo Senhor Esp’rito Santo.

Da devoção à folia
Nos terços com bailaricos,
Lindos olhos eu fazia
Naqueles meus namoricos. 

Namorisquei à vontade,
Até sentir a paixão
Pela jovem Liberdade
Arder-me no coração.

Deu-ma abril, com afinco
E extrema emoção,
No seu dia vinte cinco
Tornado revolução.

Entrou na alma do povo
Contente a festejar
Com o espírito novo
Que veio para ficar.

Recordo-me com agrado,
A pular de satisfeito,
Cantando todo prezado,
De cravo rubro ao peito:

“Grândola Vila Morena,
Terra da Fraternidade,
O Povo’é quem mais ordena
Dentro de ti ó cidade.”

Fora de mim, fui gritar:
“O povo se for unido,
Insista em protestar 
Para jamais ser vencido.”

Meu abril lindo, florido,
Só a ti disto me queixo:
Pena não ter conhecido
O nosso poeta Aleixo.

Com seu rimar camponês,
Interventivo, mordente,
Deixou em bom português
Versos de pasmar a gente.

Pasmaria com abril
Dos cravos hoje podridos
Por culpa desse covil
Dos políticos vendidos.

Abril em revolução,
Trouxe novos ideais,
Mas também muito ladrão
Que os roubou aos demais.

Abril soltou liberdade
Ao pensar e ao agir,
Bem como ao à vontade
De ao povo se mentir.

Abril que tanto mexeste
No rumo dos nossos dias,
Porque foi que nos encheste
De promessas tão vazias?

Abril que muito mudaste
E que tanto bem fizeste,
Dizem que não emigraste
Só porque nunca quiseste.

Olha, também não queria,
E lá vim ao deus-dará.
Pensava voltar um dia,
Mas fui ficando por cá.
É a sina – quem diria?
Agora, nem cá nem lá.