E pagar aos Açores?

 

A sugestão delirante do Presidente da República de que Portugal devia “pagar os custos” do colonialismo não é nova.
De vez em quando há quem traga à baila esta questão das “culpas históricas”, apresentando à geração presente a factura do perdão pelo que os outros fizeram.
Como muito bem diz o sociólogo António Barreto, os feitos dos portugueses ao longo de oito séculos são deles, não nossos, e os crimes deles a eles pertencem: “quem quer julgar, hoje, os reis e os escravos de há séculos quer hoje qualquer coisa. E não se trata apenas de bons sentimentos: quer poder, bens e poleiro”.
Um país que não paga o que devia pagar às suas duas Regiões Autónomas, como é que tem o desplante de querer pagar a antigas colónias?
Podem os dois arquipélagos portugueses porem-se, também, na fila, à porta do Palácio de Belém, e exigir o que nos levaram desde o século XV?
A História conta que na primeira metade daquele século o país vinha aos Açores e Madeira abastecer-se de trigo,  plantas tintureiras, madeira, gado, peixe e muitos cereais.
As ilhas serviam também para apoio à navegação: refúgio em caso de tempestades ou ataque e abastecimento.
Vamos cobrar, hoje, por isso?
E vamos cobrar pelo nosso mar, que faz de Portugal a plataforma continental que é, e pelo uso do nosso espaço aéreo no Atlântico, que faz de Portugal o maior centro de controlo aéreo entre a Europa e as Américas?
E a posição geoestratégica dos Açores, com uma base militar americana, é para benefício de quem?
Quanto nos pagam por isso?
A Constituição Portuguesa actual diz que o Estado tem à sua responsabilidade a Educação e a Saúde.
Nos Açores somos nós que a pagamos.
O Estado está disposto a pagar estes “sobrecustos históricos”?
O Estado português quer pagar a outros aquilo que não paga no seu território, a começar pelo abandono a que estão votados, nos Açores, os edifícios dos tribunais, das conservatórias, das esquadras policiais e por aí fora.
Não paga a tempo e horas à Universidade, não fiscaliza o mar com recursos suficientes e eficazes (esta semana até ofereceu uma lancha rápida a S. Tomé e Príncipe), não nos transfere as verbas devidas pelos estragos dos furacões e outras catástrofes, transfere uma ninharia do Orçamento de Estado com base numa lei de finanças regionais desactualizada, não cobre na totalidade as suas Obrigações de Serviço Público para os transportes aéreos e marítimos, faz uma lei do mar que nem nos permite partilhar a respectiva gestão, e vai a correr pagar o quê às antigas colónias?
O Sr. Presidente da República e os senhores delirantes do Terreiro do Paço que pensam como ele deixem-se de vaidades e atitudes de nobreza com o dinheiro dos outros e olhem com mais atenção para o território nacional pobre e necessitado, como o interior e os dois arquipélagos.
Como diz João Jardim, “gastámos em investimento e em despesas do dia a dia desde que começou a autonomia, só em educação e saúde, nas matérias que a Constituição manda que seja o Estado a pagar, nove mil milhões de euros”, e ainda apontam o dedo às nossas dívidas, “porque temos um Estado que não é de direito, que abusa e faz o que quer das regiões e dos municípios”.
Se querem pedir perdão e “fazer reparações”, façam aos Açores e à Madeira, arquipélagos abandonados e explorados pelo Império durante séculos, onde ainda hoje perdura a vigilância imperial com dois “representantes da república”, os únicos que não se queixam dos serviços do Estado, porque têm os seus luxuosos palacetes sempre bem arranjados e o privilégio das benesses de Lisboa, à semelhança dos tempos dos capitães donatários.
Armarem-se em cágados do oportunismo político e de julgadores da história nacional é próprio de quem não tem a noção da realidade do seu próprio território.

E um pouco de vergonha, não?!