Helena Crystello

             

A verdadeira humildade é o auto-respeito inteligente que nos impede de pensar muito alto ou muito mal de nós mesmos. Torna-nos modestos, lembrando-nos o quanto estamos aquém do que podemos ser.
- Ralph W. Sockman

 

A humildade é uma característica da nobreza sem alarde. Quem a demonstra não impõe credenciais e exibe afetações. Não é uma energia axial que gira em redor de si mesma como o instinto primário e egotista dos autocentrados. Vinga pela sua natureza e equanimidade. Está no palco mas afasta-se do holofote porque vive na sombra da sua própria grandeza.
Helena Crystello era assim - como se fosse um reflexo de luz atravessando o vidro de uma janela, uma imagem sem artifícios do outro lado do silêncio.
Nasceu em Lisboa mas adotou os Açores como o seu pedaço de mundo, a sua montanha, o ninho. Naufragou na costa e ali foi, com Chrys Chrystello, o companheiro, plantando raízes de palavras na água do mar. Daquele espaço na Lomba da Maia, vulnerável à chuva e à melancolia das névoas, fizeram sair livros e o Colóquio da Lusofonia. Criaram uma ponte no vento que os tem levado a outras geografias.
Helena sorria. É do seu sorriso que vou falar. Os livros que deixou não carecem da minha atenção, têm voz própria, conversam connosco quando pegamos neles, são o testemunho do seu empenho, do seu magnífico trabalho, e atestam, de modo invulgar, do  seu afeto pelos Açores. 
O que me comovia no sorriso da Helena era aquela voz pueril dos sinais sem mácula,  a sua espontânea claridade, diria até maternal. O calor de um lugar, uma casa. Um banco de jardim num recanto da primavera.
Nos espaços da literatura encontramos por vezes âncoras, seres que estão connosco num diálogo com a nossa humanidade, centrados numa posição de partilha. Sólidas, permanentes, credíveis na sua estrutura ética. Não se perdem em artifícios sociais, bajulação para entreter egos carentes.  Helena Crystello fazia parte de uma tribo especial nesse microcosmo literário. Atravessava muros com o sorriso amigo, leal e humilde.
 Se interpretarmos a ausência como uma letargia de chuvas entre o céu e a terra da nossa finitude, e o que de nós eventualmente fica para além dos livros, que maior relevância na memória que a bondade de um sorriso, um sorriso como o da Helena, em contínua floração entre as inalteráveis estações do tempo.