Viúva de Carlucci celebra os 50 anos do 25 de Abril

 

As comemorações dos 50 anos do 25 de Abril na embaixada de Portugal em Washington foram a verde, branco e tinto. Acontece que a Região Demarcada dos Vinhos Verdes está a realizar promoções em várias cidades dos Estados Unidos (mercado de 19 milhões de euros em 2023) e em Washington a ação de divulgação integrou as comemorações do 50º aniversário do 25 de Abril.
Foram convidadas cerca de 300 pessoas, na sua maioria operadores turísticos, importadores de vinhos e jornalistas, mas segundo me foi dado ver na reportagem de João Ricardo de Vasconcelos, correspondente da RTP, entre os convidados figurava Marcia Myers Carlucci, viúva de Frank Carlucci, embaixador dos Estados Unidos em Portugal de 1974 a 1978, nos dias decisivos do chamado Verão Quente.
Felicito o embaixador Francisco Duarte Lopes pela ideia, mesmo que não tenha sido dele. Convidar a viúva do embaixador americano nos dias da revolução dos cravos foi uma forma de mostrar a cordialidade das relações entre Portugal e os Estados Unidos, homenagear a memória de Carlucci, falecido em 2018, aos 87 anos, em consequência de complicações da doença de Parkinson, de que sofria. E honrar também a própria Marcia Myers Carlucci, uma americana que viveu o 25 de Abril em Lisboa.
Já lembrei que tive oportunidade de entrevistar Carlucci para o Jornal de Fall River. Mas para que não pensem que estou a embandeirar em arco, esclareço que o mérito dessa pequena entrevista não é meu. Na verdade, o diretor do jornal, Raimundo Canto e Castro, é que conseguiu os contatos no Departamento de Estado e, quando Carlucci atendeu, passou-me o telefone.
Acrescente-se que Carlucci falava fluentemente Português com sotaque brasileiro e que desenvolvera quando estivera na embaixada dos Estados Unidos no Brasil, depois de ter passado pela África do Sul, Congo e Zanzibar.
O dia 24 de janeiro de 1975 assinala a entrada oficial de Carlucci ao serviço em Lisboa, com a apresentação das credenciais ao presidente general Costa Gomes, que assumira a presidência por indicação da Junta de Salvação Nacional devido à renúncia do general António de Spínola a 30 de setembro de 1974, após a tentativa falhada de golpe da chamada “maioria silenciosa”, a 28 de setembro.
Na altura os cravos da revolução tinham-se tornado demasiadamente vermelhos, o general Vasco Gonçalves, tido como próximo dos comunistas, assumiu a chefia do governo e implementou medidas que levaram à nacionalização da banca e de empresas e à reforma agrária, objetivos que ganharam força após a falhada tentativa de golpe de 11 de março de 1975, liderada pela direita.
Washington temia que Portugal se tornasse a “Cuba da Europa”. Para que tal não acontecesse, Henry Kissinger, na altura todo poderoso secretário de Estado, era de opinião de que os Estados Unidos deviam “atacar Portugal e expulsá-lo da NATO”, o que serviria de “vacina” para a Espanha, Grécia e Itália.
Carlucci, no entanto, defendeu que a abordagem de Kissinger teria o efeito de “empurrar Portugal para os braços dos comunistas” e que os Estados Unidos deviam apoiar as forças políticas não comunistas, designadamente Mário Soares, secretário-geral do PS. Fez valer a sua posição junto do presidente Gerald Ford e tanto os Estados Unidos como os países europeus apoiaram firmemente o PS, o PSD e o CDS, contribuindo para a democratização do país.
Carlucci abandonou as funções em Lisboa a 5 de fevereiro de 1978, para assumir o cargo de vice-diretor da CIA e encerrou a carreira como secretário da Defesa entre 1987 e 1989, durante a administração de Ronald Reagan. Mas manteve várias ligações a Portugal, nomeadamente de carácter económico.
Reformado da função pública, tornou-se presidente da Carlyle, multinacional americana de investimentos e esteve para comprar a Galp associado ao Grupo Espírito Santo e a Américo Amorim. Em 1997 lançou a Euroamer, empresa com interesses no imobiliário e construção, com o ex-jornalista Artur Albarran à frente do negócio, mas a coisa não correu bem.
Em 2004, Carlucci foi condecorado pelo então primeiro-ministro Pedro Santana Lopes com a grã-cruz da Ordem do Infante D. Henrique por “relevantes serviços prestados” e um ano depois foi novamente condecorado, dessa vez com uma medalha da Defesa Nacional.
Para além do aspecto profissional, Portugal teve importância especial para o casal Carlucci. Ele era divorciado quando chegou a Portugal, conheceu Marcia na embaixada em Lisboa, casaram a 3 de junho de 1976 e tiveram uma filha, Kristin Carlucci Weed, autora de uma biografia do pai (“Get Me Carlucci”).
Carlucci dá o nome à escola americana em Portugal, a Carlucci American International School of Lisbon, em Linhó, Sintra, a mais antiga escola americana na Península Ibérica (foi fundada em 1956).
A primeira casa do casal Carlucci foi a residência oficial do embaixador, um palacete no bairro da Lapa, construído em 1877 pelo Conde dos Olivais e Penha Longa, que foi alugado em 1927 pelos Estados Unidos para residência do seu embaixador e comprado em 1964.
Depois do falecimento de Carlucci, a residência do embaixador passou a ser designada Casa Carlucci e a viúva esteve em Lisboa para a inauguração de uma exposição sobre o marido em Portugal. Na altura, Marcia deu uma entrevista e recordou que, nos dias do Verão Quente, ela percorria Portugal num pequeno Fiat sem matrícula diplomática, conversava com as pessoas e contava o que via e ouvia ao marido. Carlucci, por sua vez, reunia-se com políticos, militares e personalidades da Igreja Católica para assegurar que o país saído da Revolução de 1974 se consolidava como democracia e se mantinha ao lado dos Estados Unidos.

 

Joe Fernandes esteve para ser embaixador dos EUA em Lisboa

Se os Estados Unidos foram apanhados a dormir pela Revolução dos Cravos, depois disso não pregaram olho e a situação em Portugal passou a ser analisada nas reuniões do Conselho Nacional de Segurança com vastas referências à ameaça comunista na Península Ibérica e a hipótese de uma força da NATO invadir Portugal, que estaria a servir “os objetivos dos comunistas”.
Apesar de todo este ceticismo quanto ao processo democrático português, a administração de Gerald Ford acabou por seguir os conselhos de Carlucci, que defendia o apoio aos moderados Mário Soares, Melo Antunes e Vitor Alves.
Ford reuniu também na Casa Branca figuras da comunidade luso-americana no dia 9 de setembro de 1975, o que ilustra o dinamismo das movimentações políticas da comunidade portuguesa nos Estados Unidos.
A delegação, que incluiu personalidades importantes da comunidade lusa, entre as quais o empresário Joseph E. Fernandes (um dos sócios do Portuguese Times), tentou influenciar a administração norte-americana no sentido de dar tempo ao tempo e ajudar as forças anticomunistas em Portugal.
Nessa altura, Joseph Fernandes esteve para ser embaixador dos Estados Unidos em Lisboa. Era amigo pessoal de Gerald Ford, que terá encarado a possibilidade de o nomear e Fernandes reunia condições para ser o primeiro embixador dos Estados Unidos em Portugal de origem portuguesa.
Nascido no Arco da Calheta, Madeira, Fernandes imigrou com um ano de idade com os pais e irmãos, estabelecendo-se em Norton, Massachusetts, onde viveu a maior parte da sua vida. Possuia um bacharelato em ciências pela Universidade de Boston e um doutoramento honorário do Stonehill College. Foi tenente na Segunda Guerra Mundial e podia ter tentado a função pública, mas fez a vontade ao pai e, em 1947, abriu uma mercearia que deu origem à Fernandes Super Markets, rede de 37 supermercados no sudeste de Massachusetts e Rhode Island, que empregava mais de 2.700 pessoas e que vendeu em 1979. Embora fosse republicano, Fernandes foi nomeado pelo democrata presidente John F. Kennedy consultor especial da Aliança para o Progresso do Departamento de Estado em Puente Del Este, Uruguai. Tinha recebido o Prémio Salute do Bicentenário à Liderança em 1976 do secretário do Tesouro William Simon e o Prémio Liderança atribuído pelo presidente Gerald R. Ford. Além de Ford, tinha relações com os presidentes Richard Nixon e Bill Clinton, ainda com o vice-presidente Hubert Humphrey, o senador Edward Kennedy e outras figuras de destaque dos Estados Unidos e de Portugal.
A sua influência era tanta que foi escolhido para representar os Estados Unidos no funeral do primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro, falecido num acidente de avião em 1980 e a Casa Branca mandou o Air Force One a Boston para o transportar para Lisboa. Portanto, Fernandes poderia ter sido um excelente embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, embora talvez preferisse ser embaixador de Portugal em Washington. Mas em 1974 os cravos da revolução portuguesa estavam demasiadamente vermelhos o escolhido acabou por ser Frank Carlucci, um profissional tarimbado.
Joseph E. Fernandes faleceu em 2007, aos 84 anos e já agora lembre-se que, enquanto ativo no setor das mercearias, foi presidente da Associação Internacional das Cadeias de Lojas com sede em Paris, membro do conselho de administração do Food Marketing Institute e foi eleito em 1996 para o Hall da Fama da MFA.
Mas este MFA não é o Movimento das Forças Armadas do 25 de Abril. É o MFA da Massachusetts Food Association, que presta essa homenagem a todos aqueles que considera “pioneiros” no ramo das mercearias.

 

Ted Kennedy em Portugal

O falecido Edward Kennedy, ao tempo senador do Partido Democrático, foi o primeiro político americano a visitar Portugal depois do 25 de Abril em novembro de 1974.
Ted Kennedy, como era conhecido, viajou acompanhado de uma irmã. Reuniu-se no Palácio de São Bento com Vítor Alves, ministro Sem Pasta; foi entrevistado por Joaquim Letria para a RTP e Mário Soares, que era ministro dos Negócios Estrangeiros, ofereceu-lhe um jantar numa casa de fados a que também assistiram Álvaro Cunhal e Otelo Saraiva de Carvalho.
“Era um homem de convicções, um homem bom, um verdadeiro democrata no sentido mais amplo da palavra que fez muito pelo seu país e que também foi um bom amigo de Portugal”, disse Mário Soares quando Ted Kennedy faleceu em 2009, aos 77 anos.
Ted Kennedy foi o maior propagandista dos cães de água portugueses nos Estados Unidos, possuia três e, em maio de 2006, publicou um livro sobre um deles, Splash, que era a sua companhia no Capitólio. O livro intitulava-se “My Senator and Me: A Dog’s Eye View of Washington”.