Maratona de Boston com domínio dos africanos e lembranças de Rosa Mota

 

Segunda-feira, 15 de abril, foi dia da Maratona de Boston, corrida única no mundo. Resistiu a um atentado bombista, a duas guerras mundiais, à guerra fria e muitas outras guerras mais ou menos mornas, e teve este ano a 128ª edição. É a mais antiga e mais famosa corrida do mundo e uma tradição em Boston, como o Thanksgiving ou o Saint Patrick’s Day.
A primeira edição teve lugar em 1897 e a ideia foi tirada da maratona dos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna realizados no ano anterior em Atenas e onde uma das provas mais aplaudidas foi uma corrida homenageando o lendário soldado grego Filípides, que no ano 490 antes de Cristo correu entre Maratona e Atenas, uma distância de 42 quilómetros, para levar a notícia da vitória grega sobre os invasores persas e caiu morto após dizer “vencemos”.
Nas Olímpiadas de Atenas 1896, os EUA estiveram representados por 14 atletas, na sua maioria membros da Boston Athletic Association, e a representação foi chefiada por dois dirigentes desta associação, John Graham e Herbert H. Holton. Os atletas americanos voltaram com 20 medalhas, 11 das quais de ouro, e Graham e Holton voltaram com a ideia de criar uma maratona em Boston, que teve lugar a 18 de abril de 1897 com 15 corredores e cujo vencedor foi o novaiorquino John McDermott, que cobriu os 39,4 km em 2h55m10s.
A prova tem lugar na terceira segunda-feira de abril, o Dia do Patriota, um feriado estadual em Massachusetts e no Maine assinalando as primeiras batalhas na Guerra da Independência (Lexington e Concord).
A maioria das pessoas que correm a Maratona de Boston não entra para ganhar, mas apenas para participar e daí que a organização atribua uma medalha a todos que finalizam a prova. Além dos vencedores, todos os que cruzam a meta recebem uma medalha e as 30.000 medalhas da corrida de 2024 foram feitas numa pequena oficina de medalhas e troféus em North Attleboro, Massachusetts. A Ashworth Awards, fundada em 1983 e que teve que trabalhar 15 horas por dia de janeiro a março para atender a encomenda.
Por falar em medalhas, a Maratona de Boston foi largos anos completamente amadora e o único prémio dos vencedores era uma coroa de ramos de oliveira, à semelhança do laurel olímpico. Com o surgimento de outras maratonas que começaram a atrair atletas atribuindo prémios monetários oferecidos pelos patrocinadores, Boston passou a fazer o mesmo em 1986.
Hoje, o homem e a mulher mais rápidos na Maratona de Boston ganham $150.000 cada, os segundos $75.000, terceiros $40.000. Na divisão de cadeiras de rodas, o homem e a mulher mais rápidos ganham $25.000 cada e os segundos e terceiros classificados $15.000 e $7.500, respetivamente.
Na divisão master (corredores com 40 anos ou mais), o homem e a mulher que primeiro cruzarem a meta recebem $5.000, os segundos $2.500 e os terceiros $1.500. Há um bónus de $50.000 para os corredores que baterem o recorde da prova.
Quanto a vencedores, em 2024 o grande vencedor da prova masculina foi Sisay Lemma, 33 anos, da Etiópia, com 2h06m17s e fez toda a corrida isolado. O mês passado, Lemma teve uma vitória memorável na Maratona de Valência em 2h01m48s, tornando-o o quarto maratonista mais rápido da história.
Mohamed Esa, também etíope, ficou na segunda posição, com 2h06m58s, à frente do bicampeão Evans Chebet, com 2h07m22s, que procurava ser o quinto atleta a vencer em Boston três vezes seguidas. Chebet, acrescente-se, também é etíope.
A corrida feminina foi ganha por Hellen Obiri do Quénia com 2h22m37s. Foi a sua segunda vitória em Boston, e uma vitória consecutiva pois tinha ganho em 2023.
Obiri partilhou o pódio com outras duas quenianas: Sharon Lodeki, em segundo lugar com 2h22m45s e a bicampeã Edna Kiplagat, de 44 anos, em terceiro lugar com 2h23m21s.
Marcel Hug, da Suíça, superou um acidente e conquistou o seu sétimo título masculino na Maratona de Boston em cadeira de rodas, estabelecendo um novo recorde de trajetória com 1h15m33s.
Hug superou a sua marca anterior de 1h17m06s estabelecida no ano pretérito e estava a exclusivamente sete segundos de estabelecer um novo recorde mundial.
O americano Daniel Romanchuk foi o segundo, com o tempo de 1h20m37s, seguido pelo britânico David Weir, terminando em 1h22m12s.
Na corrida feminina de cadeira de rodas, a britânica Eden Rainbow-Cooper, 22 anos, conquistou o seu primeiro título em Boston, com 1h35m11s, seguida pela suíça Manuela Schar com 1h36m41s, e pela australiana Madison de Rozario, com o tempo de 1h39m20s.
Além dos prémios de vitória ($40.000), Hug e Rainbow-Cooper receberam um bónus de $50.000 por estabelecerem novo recorde.
E os portugueses em Boston? Em 2011, o jornal Boston Globe divulgou um vídeo em que se vê um atleta não identificado cruzar a meta, estender uma bandeira portuguesa no chão e beijá-la.
Há sempre vários portugueses inscritos, a maioria residentes nos Estados Unidos, outros vindos do Canadá, todos amadores que se dão por felizes por conseguirem chegar ao fim e não correm a pensar no pódio.
Atletas portugueses de nomeada deixaram de aparecer em Boston devido à grande competição e talvez também por não haver presentemente atletas portugueses de nomeada. Mas este ano tivemos um número apreciável de atletas vindos de Portugal e pelo menos não desistiram e cruzaram a meta.
Vejamos as classificações e os tempos: 274º Vitor Rodrigues 02:36:25; 867º António Sousa Lima 02:40:29; 935º Pedro Gomes 02:47:19; 1122º Fernando Vilela 02:49:37; 1260º João Machado 02:53:23; 1503º Hugo Vieira 02:54:42; 1539º Augusto de Almeida 02:55:56; 1763º Rui Bento 02:57:32; 1913º Marcos Santos 02:56:02; 2231º André Santos 03:00:40; 2354º João Costa 03:01:02; 2451º Sérgio Santos 03:58:47; 2675º Marcelo Gonçalves 03:01:58; 2987º João Paulo Vasconcelos 03:04:33; 3126º Ricardo Carvalho 03:06:02; 3317º João Gameiro 03:06:30; 3619º Paulo Abreu 03:09:29; 3398º José Paiva 03:10:13; 3976º Pedro Carvalho 03:06:55; 4064º João Morais 03:10:53; 4264º Manuel Menéres 03:09:05; 4439º João Mateus 03:09:29; 4588º Paulo Santos 03:12:59; 4924º Miguel Miranda 03:12:24; 5125º Vitor Lopes 03:19:09;  5331º Nuno Gonçalo 03:13:29; 5434º Gabriel Rodrigues 03:17:27; 5797º Cláudio Cardoso 03:19:41; 6422º Paulo Pereira 03:23:42; 7001º Jorge Lobo 03:29:21; 8524º João Ribeiero 03:31:10; 8336º Ricardo Félix 03:25:50; 8793º Marcelo Chagas 03:31:28; 9289º Miguel Barbosa 03:29:18; 9308 Renato Pereira da Silva 03:34:22; 9370º Gustavo Paulino 03:35:26; 9598º João Carlos Freitas 03:31:02; 9714º Miguel Pessanha Moreira 03:31:17; 9850º Fernando Borba Junior 03:36:57; 10087º Pedro Coelho 03:37:08; 10238º 03:34:45; 11196º Renato de Oliveira 03:40:20; 11396º Luis Bravo 03:39:19; 11760º Fernando de Sousa 03:42:03; 12105 Francisco Simões 03:43:06; 12592º Basílio Simões 03:43:29; 13308º Rui Oliveira 03:47:17.
Até hoje nenhum atleta masculino português ganhou em Boston, mas Joaquim Pinheiro foi segundo em 1982.
Quanto a mulheres, o grande nome português é Rosa Mota. No Copley Square Park, na esquina das ruas Boylston e Dartmouth, próximo ao local da meta, foi construído em 1996 o Boston Marathon Centennial, monumento que tem inscritos os nomes dos vencedores da prova e onde Rosa Mota figura como vencedora em 1987, 1988 e 1990.
À época, além do prémio monetário, os vencedores recebiam um Mercedes, e nos dois primeiros anos Rosa Mota teve que vender o carro devido aos elevados impostos que teria de pagar se levasse para Portugal. Finalmente, em 1990, o governo português isentou o Mercedes.
A pilosidade de Rosa Mota tornou-se famosa nessa altura. Ao cruzar a meta a atleta levantava os braços mostrando os pêlos sovacais e alguns especialistas em atletismo especularam que o segredo da campeã portuguesa era não rapar os sovacos.
Aos 63 anos, a Rosinha ainda corre e bateu este ano o recorde mundial da meia maratona no seu escalão etário.
Não sei se Rosa Mota já rapa os sovacos, mas hoje até os quenianos se depilam nos sovacos, no peito, nas costas e sabe-se lá mais onde.
O Quénia é o país estrangeiro com mais vitórias em Boston e pode dizer-se que os quenianos estão a colonizar a corrida, uma vez que já ganharam perto de 50 vezes.

 

• Eurico Mendes