Os Portugueses ou Lusodescendentes à Luz do Census nos EUA

 

 

Graça Castanho, Ph.D.

Professora na Universidade dos Açores

 

Todas as pessoas que nos lêem compreenderão facilmente que a responsabilidade de organizar um Censo/Census, ou seja, um recenseamento demográfico, em países populosos, massivamente diversos e multiculturais como os EUA, não é tarefa fácil. Trata-se, sem dúvida, de um desafio necessário e imprescindível à vida nacional ao traduzir-se num vasto conjunto de dados estatísticos que permite conhecer as diferentes características dos habitantes de uma cidade, estado ou nação.  Dada a relevância dos dados recolhidos, o Censo/Census é uma fonte de informação e um instrumento de consulta essencial à criação de planos estratégicos, delineação de políticas e tomadas de decisão sobre matérias de elevado significado para as populações visadas. Realizado, na generalidade dos países, de 10 em 10 anos, o Census, para além de revelar quem são, onde estão, o que fazem e como vivem os habitantes de um país, permite acompanhar a evolução de uma população ao longo do tempo.

Na tentativa de compreender quem são as pessoas que vivem nos EUA, o Census Bureau definiu dois vetores principais: 1) a Raça/Race e 2) a Etnicidade/Etnicity. Quanto à raça, ligada à identificação pessoal com um ou mais grupos sociais, o questionário prevê várias hipóteses de escolha, como, por exemplo: Branco/White; Preto/Black; Afro-Americano/African American; Asiático/Asian; Índio Americano/American Indian; Nativo do Alaska/Alaska Native; Nativo do Havai/Native Hawaiian; Outros Ilhéus do Pacífico/Other Pacific Islander, ou Outras raças/Some other Race. Como resposta a esta questão, os sujeitos inquiridos poderão optar por raças múltiplas. Por seu turno, a Etnicidade é nada mais nada menos do que a dimensão que define se a pessoa é de origem Hispânica ou Latina (Hispanic or Latino) ou se não o é (Not Hispanic or Latino).   

Comecemos por problematizar os conceitos aqui expressos. Quanto à raça, parece-nos discriminatória a tentativa de agrupar as pessoas com base ora em “cores da pele” ora por áreas geográficas, com recurso a designações culturalmente concebidas que nada têm a ver com a necessidade premente de promover o ser humano na sua essência e como um todo. Hoje em dia, é consensual, no meio científico, que não existem raças. No mundo existe a Raça Humana, conceito conciliador e agregador de toda a humanidade na sua condição e com direitos humanos consagrados internacionalmente. No que diz respeito à Etnicidade, sentimos a mesma frustração ao percebermos que as preocupações em agrupar os cidadãos e cidadãs norteamericanos/as se resumem a dois grandes grupos em confronto: Hispânicos ou Latinos, por um lado, e Não Hispânicos ou Latinos, por outro, sabendo nós que o mainstream valoriza pouco o primeiro grupo, cada vez mais ostracizado e maltratado.

Apesar de não concordarmos com a linguagem usada no Census, a qual deveria respeitar e dignificar todos os cidadãos e cidadãs a viver nos EUA, passamos a problematizar, finalmente, a que raça e etnia devem pertencer os portugueses ou os lusodescendentes, nascidos ou descendentes de Portugal Continental e arquipélagos dos Açores e Madeira. A resposta é simples: quanto à raça devem ser Brancos/White e relativamente à etnia são Não Hispânicos ou Latinos. “Brancos” porque somos europeus caucasianos e “Não Hispânicos” porque a língua falada ou de herança é o Português, ou seja, não pertencemos à Espanha nem somos falantes nativos de Castelhano ou Espanhol.

Não sendo os portugueses ou os seus descendentes Hispânicos, resta-nos saber se seremos Latinos.

Ora, esta é uma questão complicada porque estamos a lidar com um vocábulo que foi ganhando diferentes conotações ao longo dos séculos. Podemos falar de três gerações de países denominados de latinos. No começo, o termo Latino estava circunscrito a todas as terras conquistadas pelos romanos, tendo o latim servido de base às respetivas línguas. As áreas geográficas europeias, desta primeira geração, consideradas latinas correspondem hoje basicamente aos seguintes países: Itália, França, Espanha, Portugal e Roménia.

Com a disseminação das línguas europeias no mundo, o conceito de Latino estendeu-se a todos os países que adotaram as línguas latinas em diferentes continentes. São eles:

 

Países de Língua Castelhana: Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, Espanha, Filipinas, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

Países de Língua Francesa: Costa do Marfim, França, Haiti, Mónaco e Senegal.

Países de Língua Italiana: Itália e San Marino

Países de Língua Portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Países de Língua Romena: Moldávia e Roménia.

País de Língua Catalã: Andorra

 

Nas últimas décadas, com efeito, o vocábulo Latino tem-se circunscrito apenas aos países de língua portuguesa e castelhana, situados a sul dos EUA. São eles: Brasil, Colombia, Argentina, Peru, Venezuela, Chile, etc. Existe, porém, muita literatura que exclui o Brasil desta designação, o que comprova que esta é uma questão controversa, especialmente nos EUA, onde se generalizou a ideia que os Latinos são as pessoas naturais ou descendentes dos países de língua espanhola da América do Sul.

Se tivermos em conta a evolução do conceito “Latino”, penso que considerar, neste momento histórico, Portugal, no Census norte-americano, um país latino é uma proposta inconcebível, a menos que o Census explicite e inclua, na Categoria dos Latinos, todos os europeus com origem nos países outrora conquistados pelos romanos, com línguas de origem latina, como, por exemplo, Espanha, França, Itália, Moldávia, Roménia, Andorra e Gibraltar. Reforçando esta ideia, é meu sentir que os portugueses ou lusodescendentes nos EUA poderão aceitar a designação de Latinos apenas se, no formulário do Census, os espanhóis, os franceses, os italianos, os moldavos, os romenos e os andorranos também forem Latinos. De outra forma, não é admissível essa terminologia para os portugueses, provenientes de Portugal Continental e ilhas dos Açores e Madeira, à luz da conotação atribuída atualmente ao vocábulo Latino. Em conclusão, devemos ser considerados Brancos, quanto à Raça, e Não Hispânicos e Não Latinos no que respeita à Etnicidade.