Uma experiência: a extinção do portinglês

 


Com este Discurso Portinglês começámos uma experiência em língua inglesa, que hoje prossegue. O propósito é produzir esta “coluna” uma vez por mês em inglês, seguida duas semanas depois por outra em português com a mesma frequência. Intermitentemente, uma poderá ser em parte ou na totalidade, como hoje, a tradução da crónica precedente, ou uma versão semelhante. Assim, pretende-se expressar o mundo do imigrante em aculturação e, mais abrangente, ser protagonista neste contexto nas dinâmicas do melting pot  que não inibe a diversidade humana e cultural desta sociedade.    
O Dr. Adalino Cabral criou aquela pseudopalavra para definir a aglutinação quase dialetal do inglês e do português na comunicação oral de nosso grupo étnico neste período da transferência existencial para este país. Salvo raras exceções, aqui pretendemos assumir com caráter permanente uma participação responsável e o exercício pleno da cidadania que nos confere a naturalização. 
Sem regras etimológicas, a assimilação fónica produziu um léxico que sugere a génese do crioulo ou do papiá cristão. Store tornou-se “estoa”. O verbo to freeze, que se traduz por congelar, como a metamorfose de estacionar em “parcar” ou “fazer o parque”, resultou em “frisar” numa divergência acentuada do dicionário e uso geral do vernáculo português.  Money, que significa dinheiro, neste processo transformou-se em monin. 
Algumas publicações em língua portuguesa nos Estados Unidos desde o século dezanove, tanto atuais como outras já extintas, inseriam secções em inglês com sucesso limitado. O Jornal de Fall River tipifica na sua orientação bilingue o perfil comunitário em integração na sociedade americana. A longevidade destes instrumentos da comunicação social revela um mapa da mobilidade geográfica dos nossos grupos, agregados em relação à sua origem regional. Os açorianos juntaram-se aos conterrâneos da mesma ilha, conseguindo emprego no mesmo local ou nas mesmas unidades patronais. Assim ocorreu com os florentinos na pastorícia montanhesa de Nevada a Montana, dos picoenses na busca do ouro nos depósitos aluviais que os fez intervenientes audazes na ocupação do Wyoming, dos micaelenses no centro industrial de Fall River, e graciosenses em Lowell, ambas cidades de Massachusetts. 
Em referência aos periódicos, transcenderam o papel de veículos de notícias e afetos nos locais existindo como ilhas de cultura lusíada rodeadas de América por todos os lados, parafraseando Onésimo Almeida. Os gazetistas avocaram a função de manter o grupo em manutenção de limites, boundary maintenance, ou de conservá-la portuguesa. Robert Ezra Park (b. 1864, d. 1944), um sociólogo americano conhecido pelo seu trabalho de investigação na Universidade de Chicago, é creditado pela cunhagem deste termo. Jornalista antes do seu múnus académico, ele propôs todavia que a imprensa imigrante promovia o processo de “assimilação”.  
A Manutenção de Limites na terminologia culturológica refere-se ao esforço de comunidades culturalmente diferenciadas vivendo no espaço de uma sociedade predominante para sustentar as suas características tradicionais. Assim, expressam-se no seu idioma original, revivendo reminiscências nos costumes e crenças tradicionais. Neste percurso existencial, com concatenações cognitivas e familiais, o grupo esforça-se na sua proteção identitária. É um período amovível, no qual se processa a adaptação ou aculturação à nova realidade cultural. Trata-se em termos evolucionários de psicologia ou atividade mental, de um fenómeno fundado no inconsciente adaptável (sem conotações freudianas), para se inserir nas dinâmicas da sociedade de receção. Numa dimensão linguística, com aspetos inseparáveis de implicações de classe social, o portinglês exemplifica a aprendizagem e prática de uma cultura alheia ou diferente com o conhecimento e a vivência da cultura da terra natal e da socialização.  
Os jornalistas nestas circunstâncias tinham um papel relutante de consultores, como outros agentes culturais. Entre todos, a igreja comunitária, católica, era a instituição preeminente. Fornecia-lhes de boa vontade a sua proteção espiritual. Os recém chegados solicitavam-lhes informações para ajudá-los neste processo de acomodamento. Frequentemente, a ajuda limitava-se à tradução de uma carta oficial, ou até a fatura da empresa do gás, e a absolvição de pecados no confessionário. Outras associações incluíam os clubes e organizações cívicas, proporcionando-lhes interação social. 
As comunidades em manutenção de limites criaram ainda uma economia paralela, com as suas instituições mútuas, mercados de alimentos, restaurantes étnicos, e serviços profissionais especializados, incluindo médicos e advogados, e também a inevitável curandeira e vidente. 
As publicações portuguesas em grande parte tiveram uma vida curta. O semanário Luso-Americano, fundado em Newark, Nova Jersey, no ano de 1928, é o decano da imprensa lusíada neste país. As que desapareceram, foram vítimas da escassez démica dos grupos lusófonos e das mudanças drásticas na economia local provocando instabilidade saliente e inesperada no padrão de vida dos seus leitores. Como hoje, os grupos dispersavam em busca de emprego e de oportunidade económica. A iliteracia e a educação insuficiente, ubíquas até à aurora da segunda metade do século de 1900, tiveram outrossim impacto considerável nestas dinâmicas.    
A política americana de imigração teria ao mesmo tempo uma influência negativa. No primeiro quartel do século passado, o Congresso dos Estados Unidos reviu as leis da imigração, legislando restrições arbitrárias à entrada dos candidatos oriundos dos países do sul da Europa. Credibilizava o preconceito da superioridade intelectual das populações normandas ou germânicas. Robert Goddard (b. 1882, d. 1945) estimularia este ultraje com os resultados de supostos testes psicológicos sem substrução científica e nulos de validade. 
Os netos e até os filhos dos imigrantes não perdem no decorrer de uma ou duas gerações os afetos familiais. Mas o sucesso não lhes poderia ter sorrido sem a integração na sociedade americana, e o conhecimento do inglês. Cessa, porém, o contacto com o grupo em manutenção de limites, que se rarefez. Inevitavelmente, a distância intergeracional acentua a vaguidade identitária. Depois, recorda-se apenas a cultura ancestral como curiosidade genealógica. Um dia, todos falaremos em inglês porque americanos já somos na visão do mundo e nos interesses e preferências inerentes à problemática existencial. De modo simbólico, este experimento vem explorar e reconhecer o futuro da nossa comunicação social, que se terá de adaptar ou extinguir-se.  

 

 

Cabral, A. (1985). Portingles, the language of Portuguese speaking communities in selected English-speaking communities (Massachusetts). (Doctoral thesis). Boston: Boston College.
Dias, E. A. (2017). The Portuguese Presence in California (2nd ed.). (KatherineBaker, B. Chamberlain, & D. Borges, Trans.) San Jose, CA: Portuguese Heritage Publications of California.
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Warrin, D., & Gomes, G. L. (2001). Land as far as the eye can see. Spokane, WA: The Arthur H. Clark Company.
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