Algumas preocupações jurídicas das touradas à corda

 

 

Exórdio: A tourada à corda da Terceira não contém nenhum elemento de violência associada aos animais, nem tem práticas contrárias à natureza e ao ambiente. Dito de outra forma: a tourada à corda da Terceira protege e conserva os animais, a natureza e o ambiente. E também mantém viva uma tradição terceirense que remonta ao ano de 1451.

 

Apesar da imagem escorreita que fazemos da tourada à corda da Terceira, apesar da fotografia idílica da taurinidade, sobressaem situações que nos motivam preocupações. Na verdade, por debaixo da taurinidade existem elementos que nos devem a todos inquietar, de tantos, uns mais importantes do que outros, sublinham-se dois.

Se bem se olhar para a realidade açoriana – e terceirense em particular porque tem mais de metade das irmandades açorianas – verifica-se que estamos perante uma realidade cultural que não é protegida pelo poder político: como é consabido, as comissões das festas e as comissões das irmandades, por estarem montados numa estrutura orgânica, antiquíssima aliás – e daí o seu valor cultural – não são reconhe­cidas pela legislação regional autonómica de apoio à cultura popular, tornando esta a única realidade humana nos Açores que não tem nem apoio público institucional nem lei regional autonómica. São as autarquias locais que têm por mérito essa função e, mesmo aí, não é a regra geral. Ou seja, em quarenta anos de autonomia política a Região Autónoma soube furtar a matriz do culto do Espírito Santo para fazer da Segunda Feira do Espírito Santo o Dia da Autonomia e da Região, mas furtou-se e furta-se a reconhecer o trabalho cultural e histórico, econó­mico e social que tais festividades representam para a idiossincrasia terceirense e açoriana. Neste momen­to decorre a discussão de uma proposta de legislação da nossa autoria que visa precisamente colmatar, em parte, esta realidade. A proposta foi recentemente alterada (simplificada) e existe está num impasse no Parlamento Regional; esperamos a sua aprovação até à eleições de outubro de 2016.

O segundo exemplo, o reconhecimento da utili­dade pública para a dispensa de funções – aqui tam­bém o regime legal regional autonómico não reco­nhece as irmandades e as comissões das festas nesse âmbito e, pior ainda, umas vezes reconhece a umas tantas e a outras não reconhece – tudo dependendo do poder da amizade entre os governantes e o mordomo em causa.

Estes dois exemplos – que tivemos o cuidado de os escolher por não se constituírem exclusivamente referentes às coloridas e antiquíssimas touradas à corda – são exemplos de como está em crise todo este manancial histórico, cultural e social. Se a Re­gião Autónoma dos Açores não utilizar as prorro­gativas constitucionais e estatutárias para preservar os valores da matriz do povo açoriano – é justo aos cidadãos concluir que de pouco nos serve a autono­mia política e as despesas que pagamos com os polí­ticos regionais autonómicos; assim como é natural aos constitucionalistas concluir que a autonomia regional viola a Constituição na medida em que as manifestações populares são detentoras do estatuto constitucional de direitos fundamentais (sobre este importante ponto, ver Arnaldo Ourique, Espírito Santo questão autonómica e constitucional, em www.arnaldoourique.pt, de 19-06-2015).