O teatro de revista está no cofre das recordações dos micaelenses

 

“Para além do denominado “Teatro Clássico”, dirigido a determinado público, o “POVO”, adorava o popular “Teatro de Revista” - de gracejo e piada apimentada - para o qual, contribuíram, grandes figuras, que ao mesmo, ofereceram o seu enorme talento”. 

A NOBRE E CULTURAL ARTE DO TEATRO, conheceu, na Ilha do Arcanjo São Miguel, momentos de grande nível, em noites inesquecíveis, quer no antigo Teatro Micaelense, devorado pelo fogo, situado onde hoje existe, o Jardim Sena Freitas, no antigo Salão Ideal, que teve igual fim, ou no Coliseu Micaelense, ou ainda nos primeiros anos de vida do actual Teatro Micaelense. 
VISITARAM A ILHA VERDE, grandes companhias de teatro, do que melhor havia no continente, na altura recheadas de actores famosos da cena portuguesa, apesar da distância e das dificuldades nos transportes, próprias da época. 
HOJE, TUDO ISSO É PASSADO, tudo é diferente. Com a nossa “elevada cultura”, o Teatro passou à história. Está nos “arquivos do esquecimento”. Nem a televisão, tem a “coragem” de ir aos seus “depósitos de peças de teatro de então”, devidamente gravadas, afim de oferecer ao público saudoso de bom teatro, recordações de tempos inesquecíveis. 
PARA ALÉM DO DENOMINADO TEATRO CLÁSSICO, dirigido a determinado público, o “POVO”, adorava o popular “TEATRO DE REVISTA” - de gracejo e piada apimentada - para o qual, contribuíram, grandes figuras, que ao mesmo, ofereceram o seu enorme talento. 
COM A PERDA do antigo Teatro Micaelense, a que já nos referimos, e onde foram levadas à cena grandes peças interpretadas por grandes artistas continentais, o seu fim trágico foi um grande reverso, na atividade teatral da época, arte que o público micaelense, tanto apreciava, esgotando lotações. Como uma desgraça, normalmente, nunca vem só, seguiu-se, outro incêndio, desta vez no Salão Ideal. 
ENQUANTO AS PESSOAS GRADAS e endinheiradas da terra, lutavam com sérios embaraços, para converter em realidade, o projeto de reconstrução do “Teatro Micaelense”, o povo anónimo, que tinha no sangue, a vocação nata para o teatro, e, se possível, o “Teatro de Revista”, tão do agrado do “ZÉ-POVINHO”, não deixou cair os braços, e, procurou formas de levar à “cena” os seus propósitos, resolvendo, em parte, a situação, através das agremiações desportivas que, nas décadas de 30, 40 e 50 do século passado, eram autênticos aglutinadores de massas, de amizades, de solidariedade social, humana e fraterna, autênticas “pedras vivas” de uma vida em comunhão, como uma “segunda família”, em que as pessoas, agrupando-se, ajudavam-se mutuamente, promovendo e pondo em destaque, certas atividades culturais. Naquele tempo, havia “mística”, dinamismo, vontade de colaborar, interesse em substituir os responsáveis, pelo bem-estar do povo. Noutros tempos, e aí havia a necessidade de “ultrapassar barreiras”, transpor obstáculos, de forma a que a vivência não fosse tão fastidiosa, igual, triste, escura. 
E, FOI ASSIM, que surgiram possibilidades de levar a efeito, famosas “REVISTAS” de autores micaelenses, que se encontravam na “gaveta”, sujeitas ao pó e à “traça”, não por falta de artistas, que havia e bons, mas por necessidade de espaço físico. As agremiações deram o seu indispensável apoio. 
NA RUA DO ALJUBE, onde hoje está instalado o Ateneu Comercial, era, na altura, sede do Micaelense Futebol Clube, por volta de 1937 e onde foi construído um palco móvel. Por não poder, por razões diversas e óbvias, levar à cena grandes peças de teatro, por companhias de destaque, ainda foi possível, “ouvir” a “voz de ouro” da época, da grande Hilda Stichini. 
COMO A SALA ERA, para o efeito, a melhor da época, iniciou-se, então, o tão desejado “TEATRO DE REVISTA”, numa demonstração de que querer é poder. 
CRIOU-SE UM “GRUPO” sob a direcção do Dr.Duarte Castanheira Lobo e ao qual deram a sua preciosa colaboração diversos artistas amadores, entre eles, Augusto Gomes, Carlos e José Maiato, Ruy Lopes, Maria da Conceição, Lopes de Araújo, Gualter Rodrigues, Martinho Pacheco, Fernando Rebelo, José Moreira, Humberto Furtado Pacheco, Edmundo Vicente, João Cabral “Valadas”, António Raposo, José Bento Soares da Silva, Carlos Ferreira de Almeida, Eduarda Maiato, Cidália de Sousa e Laura Vicente, tendo como “ponto” Carlos Pérez e Álvaro Manteiga, entre muitos outros. 
Este GRUPO, não só deu inesquecíveis espetáculos na referida sala, como se deslocou, com o mesmo objetivo, ao Cine Amaral na Lagoa e à Esplanada do Marítimo. Fazia parte do reportório do grupo, as peças: “Verduras da Mocidade”, “O preço da Vida”, “o julgamento do Samouco”, e os monólogos: “Já dei o que tinha a dar”, “Os homens... meu Deus que horror”, “O Recruta”, “Que lindas pernas”, “Uma tragédia”, “Guerra dos Nunes” e o “Exame do meu menino”.
FORAM AUTORES CONSAGRADOS, de peças de revista teatrais, vários nomes que os “arquivos mantêm como inesquecíveis”. Recordamos: José Barbosa, Manuel Francisco Tavares Barbosa, Victor Cruz (avô), Duarte Pimentel, José Maria Lopes de Araújo e António Horácio Borges, bem como os talentosos compositores de elevado gabarito, como Ilídio de Andrade, Evaristo de Sousa, os Irmãos Neves, Fernando Martins de Medeiros, Teófilo Frazão, entre alguns, que a rotina da memória, nos oferece dar a conhecer. 
MAS, SE OS AUTORES E COMPOSITORES são necessários para criar as peças de revista, a levar à cena, a nada se dá vida sem os atores que levavam ao grande publico os sucessos escritos, dando-lhes a popularidade que a sua indiscutível “habilidade” proporcionava. Entre muitos, estamos a lembrar de alguns, para além daqueles já mencionados que actuavam na sede na Rua do Aljube. Foram eles, Juvelino Pimentel, António Bermonte, Tavares Silva, António Silva “o popular ZÉ DA CHICA”,  Lina Pimentel, Duarte Pimentel, Deolinda Rodrigues, Nivéria Sampaio, Norberto Andrade, Osvaldo de Medeiros e Hermínio Arruda. 
PARA ALÉM da Sala da Rua do Aljube e da Esplanada do Marítimo na Rua da Boa Nova, e, sempre graças ao interesse e colaboração dos clubes, na sede do Clube Desportivo Santa Clara, no Largo Mártires da Pátria, existiu um salão, com um palco e respectivos camarins, na altura muito utilizado para o efeito. 
Em 1938 e sob a direção de José Barbosa, notável jornalista e exímio poeta, autor dramático de grande relevo, sobretudo no “teatro de revista”, foram levadas a efeito, grandes e numerosos espetáculos. Por vezes o êxito era tanto, que tinha que ser transferido para o Coliseu Micaelense, dada a pequenez do salão do clube. 
José Barbosa, com a preciosa colaboração de António Bermonte, ator, cantor, e “caracterizador” de reais méritos, levou ao palco, diversas peças teatrais, tais como: “Está cá o Augusto”, “Flor da Aldeia”, “Flor do Minho”, “O silêncio nem sempre é de ouro” e “Cruz de Guerra”. O maior êxito foi dedicado à célebre peça “LANTERNA MÁGICA”. De Manuel Francisco Tavares Barbosa foi vista e apreciada a revista “Pérolas Açorianas”.
E porque as “revistas” eram as mais apreciadas e apetecidas, José Barbosa, com raro talento e competência, escreveu outras que ficaram na memória e nos anais do nosso meio, como sejam: “O País da Graxa”, “Manta de Retalhos”, “Esposa por três dias”, entre outras tantas. Na Esplanada do Marítimo, a que já fizemos referência, foram vistas e admiradas diversas peças, das quais nos ficou na memória, “Lua Cheia” e “Pé-de-Vento”. 
DURANTE VÁRIAS ÉPOCAS, a freguesia da Fajã de Baixo foi classificada como a “CAPITAL DO TEATRO DE REVISTA”. 
COMO O ENTUSIASMO do público era enorme, uns anos mais tarde, talvez na década de 50, numa esplanada improvisada, no Jardim António Borges, onde Manuel Amaral Mendonça, empresário cinematográfico de sucesso, exibia diversos filmes, António Horácio Borges, aproveitou o recinto para levar ao palco a célebre revista, de sua autoria, denominada, “OS PAPAGAIOS”. 
FOI NESSA ÉPOCA, que foi pronunciada a “célebre” frase: “TÁ ASNO, TÁ ASNO, MAS AMANHÃ TÁS CÁ CAÍDO”, pela seguinte razão: “a determinada altura de uma sessão de cinema, e, aproveitando uma interrupção, o senhor Mendonça dos Filmes, como era popularmente conhecido, anunciou o programa para o dia seguinte, lembrando, para animar a malta, que o filme a projetar, era de “suspenso” e tinha “porrada com pancadaria”. A certa altura do anúncio, uma voz escondida na escuridão da noite, em alto e bom som, exclamou: “TÁ ASNO”. Foi neste momento, e em resposta que o Senhor Mendonça produziu a inesquecível frase:
“TÁ ASNO. TÁ ASNO, MAS AMANHÃ TÁS CÁ CAÍDO”.