O voo picado da SATA

 

Já perdi a conta do número de vezes que utilizei este título ao longo dos últimos dez anos.
Já não é bem um voo picado, é mesmo um voo teimosamente sem retorno.
O que se continua a passar na SATA só tem um culpado: os governos de antes e o de agora, que teimam em querer resultados diferentes, sempre com a mesma receita.
Os políticos não resistem à tentação de “pôr a mão” na SATA, para contentar as suas clientelas eleitorais, provocando a tragédia a que estamos a assistir.
Este governo falhou, tal como o anterior, e já se ufana dos mesmos tiques que prometera acabar.
Está na hora de questionar o plano estratégico da SATA.
Se com sucessivos aumentos de vendas não se consegue equilibrar as contas, a conclusão é que a empresa, pura e simplesmente, não consegue ter sucesso apenas com esta abordagem.
Ou então a gestão tem sido imcompetente, incluindo a da administração “competente” que foi contratada para o efeito, de cuja ação resultam, em muito, os resultados económicos e financeiros actuais.
A ideia inicial, avançada nas audições parlamentares, de que a reestruturação “iria doer”, foi rapidamente substituída pela ideia de que a empresa iria crescer o suficiente para que não fosse necessário dispensar ninguém.
Uma solução que fez a delícia dos políticos, que até ajudam a criar mais rotas, políticas claro.
A empresa cresceu, não se reestruturou em nada e encontra-se, agora, num beco sem saída evidente.
Em que ficamos? A estratégia continua? Até quando? Quem vai pagar esta lentidão de processos?
Estão-se a cometer os mesmos erros, as mesmas omissões e, mais grave, atrasando inexplicavelmente o processo de privatização, cavando ainda mais fundo o buraco da empresa, para nos cair em cima o pagamento da continuada ruína.
Esta história das receitas recordes e sempre com prejuízos continuados não nasceu agora.
Já em 2019 as contas da SATA deixavam-nos muitos alertas vermelhos, com um Passivo consolidado que montava a cerca de 450 milhões de euros para uma facturação bruta de cerca de 250 milhões.
Os rácios de passivo sobre as vendas iam dos 3.45 para a Air Açores - a mais endividada - aos 2.6 para a Aeródromos, passando por 1.89 para a Internacional.
A Air Açores já vivia, então, mais dos subsídios do que da facturação comercial.
Um problema de centenas de milhões que não amedrontou ninguém, até chegarmos a este ponto sem retorno,
O mais curioso é recordar o que diziam então o PS e o PSD sobre a situação na SATA.
Foi apenas há meia dúzia de anos que o PSD acusava o governo de então de “absoluto fracasso”, com uma operação recheada de “inúmeros cancelamentos, adiamentos, alterações de horários, falta de entrega de bagagens, comprometendo a mobilidade inter ilhas e dos Açores com o exterior, manchando o nome desta Região”.
Alguém nota alguma diferença hoje?
Discurso semelhante passou, agora, para o PS, enquanto que para os sociais democratas já está tudo bem.
Antes falava-se em “falência técnica”, agora dizem que é uma “crise de crescimento”.
Recordemos esta pérola para quem estava na oposição há meia dúzia de anos: “Com estes resultados negativos, brutais para a nossa pequena dimensão populacional e chocantes para os problemas da nossa Região, designadamente o seu nível de pobreza, perder tanto dinheiro por incompetência e ineficácia é seguramente motivo para que neste Parlamento se debata repetidamente o tema”.
Do lado do PS, em Abril de 2019, Francisco César fazia a defesa da “casa” com esta narrativa: “Por isso, Srs. Deputados, nós não aceitamos um modelo qualquer. Nós aceitamos um modelo que não é um modelo de liberalização pura. É um modelo que traz o melhor que a liberalização tem e o melhor que a intervenção do Estado permite: que é a defesa do passageiro residente, portanto, o residente da Região Autónoma dos Açores. Portanto, sobre esta matéria nós não temos nada a esconder. Resolvemos a questão de acessibilidades. Temos a companhia aérea em bom caminho”.
“(...)Temos aviões cheios! Temos turistas a irem para todas as ilhas e temos os residentes a viajar por um preço muito mais barato! Isto é uma obra que o PS se orgulha de ter realizado”.
Como se vê, nenhum político, de outrora ou de agora, tem o discernimento de pôr a mão na consciência, rever tudo o que disse e reconhecer que erraram em todos os cenários.
Foi por esta teimosia de que “está tudo bem”, com as continuadas rotas políticas e com uma ingerência descarada na gestão da companhia, que já ninguém se livra do desastre.
Até as rotas políticas internacionais, recorrendo sistematicamente a aviões de aluguer, já nem trazem a informação do “load factor”, tal é a vergonha em dar a conhecer o reduzido número de passageiros transportados.

Não há solução possível: enquanto a política se mantiver na SATA, a empresa não tem qualquer futuro. Ponto final!