Dia 17 de setembro, uma série de estrelas do palco, do ecrã e do desporto brindaram Jimmy Carter pelo seu centenário e mais de 4.000 pessoas encheram o Fox Theatre de Atlanta.
Carter nasceu a 1 de outubro de 1924, portanto completou 100 anos ontem, 1 de outubro de 2024.
Fazer 100 anos não é para qualquer pessoa, tanto que Carter é o mais longevo dos 46 presidentes dos Estados Unidos, o único que chegou aos 100 anos.
Fazendeiro de amendoim e oficial de submarino nuclear, Carter era um desconhecido ex-governador da Georgia em 1976, há quase 50 anos, quando ganhou a nomeação como candidato presidencial democrata nas eleições primárias partidárias ultrapassando outros 17 candidatos, entre os quais os senadores Henry Jackson do estado de Washington e Frank Church de Idaho, o congressista Mo Udal do Arizona e os governadores Jerry Brown da Califórnia e George Wallace do Alabama.
Nas eleições presidenciais de 2 de novembro de 1976, o desconhecido Jimmy Carter tornou-se o 39º presidente dos Estados Unidos com 40 milhões de votos e levando a melhor sobre o oponente republicano Gerald Ford (39 milhões de votos).
Ford tem uma carreira política anedótica, chegou ao cargo máximo em Washington sem ter ido a votos. Em dezembro de 1973, era congressista pelo Michigan e liderava a minoria republicana na Câmara dos Representantes quando foi escolhido pelo presidente Richard Nixon para vice-presidente a fim de substituir Spiro Agnew, que renunciara a 10 de outubro de 1973 por acusações de extorsão, fraude e suborno quando tinha sido governador do Maryland (1966-1968).
Gerald Ford tornou-se assim a primeira pessoa nomeada vice-presidente e não eleita. E quando Richard Nixon, caído em desgraça pelo escândalo de Watergate (a espionagem do quartel-general de campanha do Partido Democrata em Washington durante as eleições de 1972) renunciou em 8 de agosto de 1974, Ford assumiu imediatamente a presidência, tornando-se o 38º presidente e o primeiro e único vice-presidente da história dos Estados Unidos a chegar à chefia de Estado após a demissão e não a morte de um presidente.
Porém, um mês depois, o alívio geral representado pela chegada de Ford à Casa Branca deu lugar à revolta da maioria dos americanos, perplexos com o perdão concedido pelo novo presidente ao antecessor. A decisão foi muito debatida nos anos seguintes e teve grandes consequências para Gerald Ford nas eleições presidenciais de 1976, quando tentou ser eleito para um mandato completo e foi derrotado por Jimmy Carter.
Consta que, quando se reformaram, Gerald Ford e Jimmy Carter deixaram de lado a inimizade criada durante as eleições de 1976 e desenvolveram uma estreita amizade.
Carter ocupou a Casa Branca de 1977 a 1981, foi o 39º presidente apenas por um mandato e perdeu para o republicano Ronald Regan em 1980, ex-ator que se tornara governador da Califórnia.
Curiosamente, com a saída da Casa Branca Carter conquistou uma reputação que ele próprio reconhece ser melhor do que quando era presidente. Recebeu o Prémio Nobel da Paz em 2002 pelo seu trabalho humanitário e influenciou mais a vida política dos Estados Unidos e outros países mais do que enquanto esteve na Casa Branca.
O concerto do Fox Theatre reuniu artistas que participaram na campanha presidencial de 1976 e a receita reverte para os programas internacionais do Carter Center que Jimmy e Rosalynn Carter fundaram em 1982 após deixarem a Casa Branca e que defende a democracia, resolve conflitos e combate doenças em todo o mundo.
“Ele era realmente o presidente do rock and roll”, disse Chuck Leavell, cuja Allman Brothers Band, sediada na Geórgia, fez campanha com Carter em 1976.
A lista de ex-presidentes que prestaram homenagem a Carter durante o concerto no Fox Theatre de Atlanta foi bipartidária: os democratas Joe Biden, que lembrou numa mensagem gravada ter sido o primeiro senador a apoiar a candidatura de Carter à Casa Branca, Barack Obama e Bill Clinton, e o republicano George W. Bush.
Mas houve uma ausência que não fez falta nenhuma, o ex-presidente republicano Donald Trump, cuja ausência provocou aplausos da assistência à candidata presidencial democrata Kamala Harris.
Trump está a tentar voltar à Casa Branca nas eleições de 2024 e nos seus discursos tem atacado a rival Harris, o atual presidente Joe Biden (que correu com ele da Casa Branca em 2020) e Jimmy Carter, como se o ex-presidente também estivesse em campanha.
Trump parece estar ainda lembrado que, em 2016, Carter questionou a legitimidade da sua eleição, uma vez que a candidata democrata, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton recebera 65.853.625 votos populares e Trump recebeu 62.985.106.
Hillary teve mais 2,9 milhões de votos, mas Trump é que foi eleito 45º presidente por ter recebido 307 votos do Colégio Eleitoral e ela 232, tornando-se o primeiro presidente sem uma carreira política e aos 70 anos, o mais velho candidato até então eleito.
Ronald Reagan tinha 69 anos, um ano a menos que Trump, quando assumiu a presidência em 1981, e só em 20 de janeiro de 2021 é que o democrata Joe Biden tomou posse como 46º presidente aos 78 anos, tornando-se o presidente mais idoso após uma campanha acirrada em que derrotou Donald Trump.
Trump é de mau perder e decidiu não estar presente na cerimónia de tomada de posse do seu sucessor, algo que só aconteceu por três vezes, a última das quais em 1869, quando Andrew Johnson também recusou marcar presença na tomada de posse de Ulysses S. Grant.
Não parece que Biden tenha ficado impressionado com isso e a sua preocupação é saber se quando deixar a Casa Branca, em janeiro de 2025, entregará o poder à sua vice-presidente Kamala Harris ou a Trump.
Apesar da maior popularidade da candidata do Partido Democrata – que lidera as sondagens a nível do voto total nacional, em média, por aproximadamente 2.5% – poucas certezas existem sobre o desfecho da eleição, pois o Colégio Eleitoral pode entregar a vitória ao candidato menos votado. Basta que para isso esse candidato vença Estados suficientes para garantir a maioria necessária. Aliás, foi assim que Donald Trump chegou à Casa Branca, apesar de, em 2016, ter conseguido (quase) menos 3 milhões de votos que Hillary Clinton.
O Colégio Eleitoral dos Estados Unidos é um grupinho de eleitores presidenciais que a Constituição exige formar a cada quatro anos com o único propósito de eleger o presidente e o vice-presidente. O Colégio Eleitoral aparece no artigo II, na seção 1, da Constituição, que teve o seu texto aprovado em 17 de setembro de 1787 na Convenção Constitucional de Filadélfia, e ratificado em 21 de junho de 1788, e determina que cada estado nomeará os seus eleitores colegiais selecionados na forma determinada pela sua legislatura.
Atualmente os membros do Colégio Eleitoral são 538, sendo necessária a maioria absoluta de 270 votos eleitorais – ou mais – para eleger o presidente e o vice-presidente.
Mas o Colégio Eleitoral é uma questão em debate contínuo. Os defensores argumentam que é um componente fundamental do federalismo americano e os críticos argumentam que é menos democrático do que o voto popular e está sujeito a manipulação.
A cada quatro anos ressurge o debate sobre a validade do Colégio Eleitoral, mas depois das eleições os debates perdem fólego até ao próximo ciclo eleitoral e nunca se acorda numa mudança.
Claro, em alguns momentos, esse debate é mais intenso, sobretudo quando há eleições escandalosas. Em 2016, a candidata democrata Hillary Clinton superou o rival Donald Trump em quase três milhões de votos, mas perdeu no Colégio Eleitoral por 227 votos contra 304.
Em 2000, a acirrada e polémica disputa entre o democrata Al Gore, vice-presidente de Bill Clinton, e o republicano George W. Bush deixou o país em suspenso até à decisão do Supremo Tribunal sobre os votos do estado da Flórida. Gore venceu no voto popular por 540 mil votos, mas foi derrotado no Colégio Eleitoral, por 266 contra 271, um dos resultados mais apertados da história do país.
E há ainda outras três situações semelhantes: com o democrata Andrew Jackson, derrotado por John Quincy Adams em 1824, apesar de ter mais votos; com o democrata Samuel Tilden, que perdeu para Rutherford B. Hayes em 1876; e com o também democrata Grover Cleveland, vencido por Benjamin Harrison em 1888.
Estranhamente, este sistema de escolha indireta do presidente pelo Colégio Eleitoral tem beneficiado sempre candidatos republicanos e que não foram os escolhidos pelo povo, conforme o princípio democrático de “uma pessoa, um voto”.
Uma sondagem publicada em setembro de 2023 pelo Pew Research Center, concluiu que uma maioria dos eleitores americanos (65%) “afirma que a maneira pela qual o presidente é eleito deveria ser mudada, de modo que o ganhador do voto popular em todo o país ganhasse a Presidência”.
Na realidade, o Colégio Eleitoral converteu-se numa impopular, antiquada e antidemocrática instituição política, mas todas as tentativas de reforma têm falhado devido à oposição do Partido Republicano, que há décadas vem beneficiando do Colégio Eleitoral.
Mexer nesta mais do que centenária instituição da política estadunidense não é tarefa fácil. Para se aprovar uma emenda constitucional, são necessários 2/3 do Congresso e é difícil de conseguir devido à resistência republicana.
Curiosamente, em 2012, Donald Trump tweetou que “O Colégio Eleitoral é um desastre para a democracia”. Mas depois de ganhar a maioria do Colégio Eleitoral em 2016, Trump cantou uma nova canção: “O Colégio Eleitoral é realmente genial porque traz todos os Estados, incluindo os menores, para o jogo. Fazer campanha é muito diferente!”
Que se pode fazer perante isto? Apenas reforçar o voto popular e é isso que tenciona fazer o agora centenário Jimmy Carter.
O ex-presidente não é visto em público desde o funeral da mulher, Rosalynn Carter, que morreu em novembro passado. Mas sabe-se que vem sendo submetido a cuidados paliativos desde fevereiro de 2023, mas está atento ao que vai pelo mundo e preocupado com a guerra em Gaza e com a política no seu país.
Segundo declarações do neto Jason Carter ao Atlanta Journal-Constitution, Jimmy Carter terá dito ao filho, Chip, que estava ansioso pelo 1 de outubro, mas tratava-se menos de atingir um século de vida e mais de poder votar em Kamala Harris.
A votação antecipada na Geórgia começa a 15 de outubro, pelo que Carter não terá de esperar muito depois do seu aniversário para dar o seu voto histórico a Kamala Harris.
E votar é o mínimo que se pode fazer desde que um tal Trump decidiu tentar instituir uma ditadura nos Estados Unidos das democracias.