
2023 é um ano histórico no movimento sindical nos Estados Unidos, segundo o Bureau of Labor Statistics (BLS) até ao corrente mês de setembro registaram-se 900 greves envolvendo 362.000 trabalhadores.
É a maior onda de greves em 50 anos, revelando um reavivamento do sindicalismo que já tinha sido notado em 2022, quando se registou um aumento de 50% nos trabalhadores em greves em relação a 2021 e os sindicatos declararam 320 greves.
Embora as greves estejam a aumentar, o número de grevistas não é tão grande como antes da década de 1990 e isso deve-se à diminuição dos trabalhadores sindicalizados. Presentemente, apenas 10,1% dos trabalhadores americanos estão sindicalizados.
Contudo, apesar das campanhas antissindicais dos governantes republicanos e das grandes cadeias de televisão como a Fox News, e do enfraquecimento dos sindicatos, uma sondagem da agência Reuters revelou que 61% dos americanos consideram que os sindicatos têm melhorado a qualidade de vida de todos os norte-americanos e apenas 35% dizem que os sindicatos já não são necessários.
Das greves em curso, a mais falada é a dos argumentistas e atores do cinema e da televisão. O Writers Guild of America (WGA) declarou greve em 2 de maio de 2023 com aprovação de 97,85% dos seus 11.500 membros, exigindo melhores condições de trabalho, principalmente na área do streaming, a tecnologia de transmissão de conteúdos multimédia através da internet.
Atores, autores e técnicos recebem direitos todas as vezes que os seus filmes e séries são transmitidos na televisão, mas esses pagamentos não abrangem as transmissões do streaming. Um dos argumentos dos grevistas é que a receita dos estúdios aumentou 40% nos últimos 10 anos e o salário médio dos argumentistas diminuiu 4%.
Em 14 de julho aderiram à greve dos argumentistas 160.000 atores membros dos sindicatos Screen Actors Guild e American Federation of Television and Radio Artists, queixam-se de que dantes as séries de televisão eram transmitidas de setembro a maio e tinham mais episódios, agora são cada vez mais curtas e os atores têm menos dias de trabalho.
O Writers Guild of America e a AMPTP (Alliance of Motion Picture and Television Producers), que representa estúdios como Walt Disney, Netflix, anunciaram no passado domingo em comunicado conjunto que a greve terminou e durou 146 dias tendo causado 5 biliões de dólares de prejuízos à Califórnia, de acordo com o Milken Institute.
Mas não é apenas o pessoal do cinema e da televisão que tem estado em greve. Em junho, entraram em greve 3.000 trabalhadores de 150 cafés Starbucks protestando contra práticas laborais injustas. Em julho foram 6.000 trabalhadores de hotéis no sul da Califórnia pedindo salários mais altos e melhores benefícios. O sindicato deles – The Unite Here Local 11 – afirma que foi a maior greve hoteleira.
Ainda em junho, entraram em greve centenas de trabalhadores da Gannett, a maior empresa editora de jornais dos Estados Unidos, dona do USA Today e mais 100 jornais diários, 1.000 semanários, 68 televisões e 13 rádios.
Duas grandes greves na indústria transformadora também tiveram início no verão: 1.400 membros do sindicato United Electrical Workers numa fábrica de locomotivas em Erie, Pennsylvania, e 6.000 trabalhadores num fornecedor da Boeing em Wichita.
Esperava-se que 340.000 motoristas da UPS entrassem em greve este verão, mas o seu sindicato – os Teamsters – chegou a um acordo a 1 de agosto, evitando a que poderia ter sido uma das maiores greves de sempre nos Estados Unidos.
Acrescente-se que vive nos Estados Unidos mais de um milhão de portugueses e haverá alguns anonimamente envolvidos nestas greves, mas dois foram notícia: Carlos Tavares, CEO (chief executive officer) da Stellantis (Chrysler, Jeep e outras marcas) tem sido falado na greve do United Auto Workers (UAW) e António Carvalho, superintendente escolar de Los Angeles, na greve de três dias de 65.000 professores e funcionários de escolas públicas em Los Angeles.
Carvalho nasceu em Lisboa e veio para New York como imigrante sem documentos, mudou-se para a Flórida, trabalhou na construção e em restaurantes, passou dificuldades, mas tornou-se professor e chegou a superintendente escolar de Miami-Dade. Ganhou destaque nacional na função, rejeitando convites para liderar as escolas da cidade de New York e só em 2022 deixou Miami, farto dos seus confrontos com o governador Ron DeSantis e outros políticos republicanos sobre políticas escolares, e foi para Los Angeles liderar o Distrito Escolar Unificado de Los Angeles (LAUSD), o segundo maior distrito escolar do país, com o belo salário de $440.000/ano.
Carvalho nunca enfrentou uma greve nos seus 14 anos como superintendente das escolas de Miami, mas em Los Angeles, treze meses após ocupar o cargo, professores e funcionários abandonaram o trabalho durante três dias, fechando escolas para os 430 mil alunos.
A greve foi iniciada pelos cerca de 30 mil funcionários dos refeitórios, motoristas de autocarros e outros trabalhadores cujo salário anual era apenas $25.000, condenando-os à pobreza numa das cidades mais caras do mundo. Dez mil trabalhadores escolares nem sequer tinham seguro de saúde.
À greve dos funcionários das escolas do LAUSD aderiram os professores por solidariedade e empunhando cartazes de papelão ridicularizando os belos fatos Armani usados por Carvalho e o seu salário de $440.000, com uma foto do superintendente com a legenda “Mr. Vice Grip de Miami”.
O superintendente Carvalho e o Distrito Escolar Unificado de Los Angeles chegaram a um acordo com o United Teachers Los Angeles, os professores tiveram um aumento de 21% e viram reduzido o tamanho das turmas.
A administração Carvalho também negociou com o Service Employees International Union (SEIU) Local 99, que representa 30.000 motoristas e outros funcionários do LAUSD, um aumento salarial de 30% retroativo até $8.000. Com o aumento o salário médio anual dos trabalhadores auxiliares passou dos $25.000 para $33.000. Alberto Carvalho parece ter aprendido uma lição sobre a política da Califórnia: os sindicatos têm grande influência.
Entretanto, dia 15 de setembro entraram em greve cerca de 13.000 trabalhadores das fábricas de montagem da GM em Wentzville, no estado do Missouri, da fábrica da Stellantis em Toledo, no estado do Ohio, e da fábrica da Ford em Wayne, no estado de Michigan, que respondem pela produção de mais da metade dos 15 milhões de veículos vendidos anualmente no país.
Joe Biden, um presidente democrata pro-sindical, deve ter visitado ontem os grevistas no Michigan assumindo o seu apoio à United Auto Workers, que ainda não disse se o apoia nas eleições do próximo ano.
É a primeira vez que se regista uma greve desta amplitude nos 88 anos de história do United Auto Workers (UAW), o principal sindicato do setor que representa cerca de 150.000 trabalhadores.
Os grevistas querem redução da jornada semanal de 40 para 32 horas, ajustes dos custos de vida, melhoria das pensões de reforma e cuidados de saúde para todos os aposentados, benefício de que gozam presentemente apenas os contratados antes de 2007.
O UAW pretende aumento salarial de 40% alegando que as três companhias não podem alegar falta de recursos uma vez que lucraram 250 biliões de dólares na última década e 21 bilhões nos primeiros seis meses de 2023. Isso deve-se ao aumento dos preços dos carros novos em 30% nos últimos quatro anos, enquanto os custos de produção de carros (sendo a maior parte a mão de obra) permaneceram relativamente baixos.
A Ford e a GM ofereceram um aumento de 20% e a Stellantis ofereceu 17,5%, mas o sindicato não achou suficiente e, com 875 milhões de dólares em caixa, prometeu pagar $500 por semana aos trabalhadores enquanto durar a greve.
Presentemente há quase 13.000 trabalhadores de braços cruzados e o plano do UAW é que a mobilização avance sobre os seus 150.000 membros, tornando-se uma greve geral no setor.
Amargando perdas salariais desde a crise económica de 2008, os trabalhadores exigem que os aumentos sejam correspondentes aos dos diretores executivos das empresas, o que é um absurdo: Jim Farley, CEO da Ford, recebeu 21 milhões de dólares no ano passado; Mary Barra, CEO da GM, recebeu incríveis 29 milhões em 2022 (e mais de 200 milhões nos últimos nove anos) e Carlos Tavares, CEO da Stellantis, recebeu 24 milhões.
Carlos Tavares é português, nascido em 1958 em Lisboa, ocupa atualmente o cargo de diretor executivo da Stellantis, o sexto maior fabricante de carros em vendas, formada pela fusão, em 2021, do grupo francês Peugeot PSA (que integra as marcas Peugeot, Citroën, DS Automobiles, Opel e Free2Move) e do grupo ítalo-americano FCA (que integra a Fiat, Jeep, Abarth, Chrysler, Lancia, Alfa Romeo, Maserati e Dodge, entre outras).
Tavares iniciou a carreira em 1981 na Renault, onde ocupou diversos cargos até chegar a diretor de operações de 2011 a 2013. Também foi presidente do comité de gestão das Américas e presidente da Nissan América do Norte desde 2009, após ingressar na Nissan em 2004. Até dezembro de 2022, foi membro do conselho de administração da Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA) e presidente da associação em 2018 e 2019. Também fez parte do conselho de administração da Airbus de 2016 a 2022 e da TotalEnergies de 2017 a 2020.
Voltando à greve, Shawn Fain, presidente do UAW, disse que os salários dos CEO das três grandes empresas aumentarem 40% nos últimos quatro anos, enquanto os salários dos trabalhadores aumentaram apenas 6% e eles é que fabricam os carros.
Essa disparidade salarial nem sempre se verificou. Em 1965, os CEO ganhavam normalmente 20 vezes o salário típico dos trabalhadores nas suas indústrias, de acordo com relatório do Instituto de Política Económica (EPI).
Mas a remuneração dos executivos disparou, especialmente nas décadas de 1980 e 1990, e em 2021 os CEO ganharam 399 vezes o salário típico de um trabalhador, concluiu o relatório EPI.
A CEO da General Motors, Mary Barra, é a mais bem paga, ganhou 29 milhões de dólares em 2022 e isso é 362 vezes o salário médio do funcionário da GM, onde o salário médio do trabalhador era $80.034 em 2022 e esse trabalhador levaria 362 anos para receber a remuneração anual de Barra e 16 anos para ganhar o que ela ganha numa única semana.
A remuneração de Tavares, que viu o seu salário crescer 72% nos últimos quatro anos, é cerca de 365 vezes maior que a remuneração média dos trabalhadores da empresa, que é cerca de $67.900.
E temos ainda a Tesla. A remuneração do CEO Elon Musk em 2022 foi relatada como sendo zero, mas em 2021 foi mais de 737 milhões de dólares e um trabalhador médio da empressa ganhou naquele ano $40.723.
De acordo com o UAW, seriam necessários mais de 18.000 anos para que esse trabalhador recebesse o que Musk ganhou em 2021.
