Cravos na América: O Cinquentenário do 25 de Abril e a Diáspora nos EUA

 

“A beleza do cravo não está apenas em suas 
pétalas, mas na mensagem que ele 
carregou - uma mensagem de paz, democracia 
e esperança por um futuro melhor.”

Salgueiro Maia, capitão de abril

 

A Revolução dos Cravos marcou um momento crucial na história portuguesa, no arquipélago dos Açores e na nossa diáspora no mundo americano.  Como é do conhecimento geral, o 25 de abril pôs fim a décadas de um regime autoritário, de uma governação brutal, abrindo caminho para a democracia. O significado da comemoração deste acontecimento histórico, os 50 anos de abril, estende-se para além das fronteiras portuguesas e das suas regiões autónomas, devendo ser comemorado todo o ano no seio da diáspora nos Estados Unidos. Ao recordar a Revolução dos Cravos, a nossa diáspora em terras do Tio Sam não só honra a sua herança cultural, a sua identidade misturada por várias identidades, como também abraça os valores comuns da democracia, da liberdade, da luta constante pela justiça social e racial que devem unir os Açores e os Estados Unidos.  Aprendermos e refletirmos o que Zeca Afonso escreveu: “os cravos substituíram as balas e, ao fazer isso, escreveram um novo capítulo na história das revoluções não violentas.” 
A democracia como princípio unificador, porque apesar de todas as suas imperfeições ainda é o melhor sistema que se conhece como foi dito algures.  Os Estados Unidos, um farol da democracia moderna (com os seus defeitos e as suas virtudes), têm desempenhado um papel crucial na formação dos valores que sustentam os sistemas políticos de ambas as nações, e em particular da Região Autónoma dos Açores e o grande mundo americano. Ao comemorar a Revolução dos Cravos, os açor-americanos reforçam o seu compromisso com estes ideais democráticos comuns e contribuem para a preservação e a promoção da democracia na sua pátria de adoção.  É que como escreveu Francisco Sá-Carneiro, o pai, e quem sabe um dos poucos sociais-democratas portugueses: “a democracia aprende-se pelo exercício e constrói-se por meios democráticos. O exercício da democracia significa, aqui e agora: audiência ao Povo, iniciativa popular, participação institucionalizada de todos na criação das condições estruturais da sua implantação.”  
Apesar de se terem feitos alguns ganhos, ainda há muito terreno a lavrar a fim de termos uma comunidade mais ativa cívica e politicamente.  Continuamos, em demasiadas latitudes da nossa diáspora, muito acanhados e nas margens dos poderes políticos e até mesmo dos poderes partidários, para não falarmos nas elites intelectuais e artísticas.  Há que descobrirmos, à luz da última revolução romântica do século XX, e destas primeiras duas décadas do século XXI, que como diáspora podemos e devemos trabalhar para o melhoramento deste processo governativo em decadência, porque como escreveu José Saramago: “o que chamamos democracia começa a assemelhar-se tristemente ao pano solene que cobre a urna onde já está apodrecendo o cadáver. Reinventemos, pois, a democracia antes que seja demasiado tarde.” Aproveitemos este jubileu da Revolução dos Cravos para fortalecer-se a democracia em ambos os lados do Atlântico e nas margens das nossas duas sociedades, que infelizmente, crescem com cada dia e cada hora.     
A celebração da Revolução dos Cravos é uma oportunidade para a diáspora açoriana nos Estados Unidos reforçar a sua identidade cultural e participar em atividades cívicas significativas. Através de eventos comemorativos, a comunidade pode educar tanto os seus membros como a sociedade americana em geral, sobre o percurso de Portugal rumo à democracia. Este procedimento promoverá um sentimento de pertença, incentivará a participação cívica e contribuirá para o tecido pluralista da sociedade americana, enriquecendo-a com diversas perspetivas e outras narrativas históricas.  Como disse o deputado José Soeiro do BE, na Assembleia da República, nas comemorações do quadragésimo-oitavo aniversário do 25 de Abril: “É tempo de ouvir todas as pessoas que não estão no retrato emoldurado dos notáveis, que não têm nem terão medalhas nem ruas com o seu nome. Que estão no avesso dos lugares, mas sem os quais não existiriam lugares”.
O estabelecimento de narrativas paralelas entre as experiências democráticas de Portugal e dos Estados Unidos reforça o significado da comemoração da Revolução dos Cravos no seio da diáspora portuguesa que em muitas comunidades é, como se sabe, e nunca nos devemos esquecer, açoriana. Ambas as nações (incluindo a autonomia) enfrentaram lutas pela democracia.  O reconhecimento destas lutas partilhadas ajuda a construir pontes entre as comunidades e promove uma apreciação muito mais profunda sobre os valores da democracia, que estão em jogo em ambas as sociedades, e pela ressalva das liberdades individuais e dos direitos humanos, que a extrema-direita em ambos os lados do atlântico tenta denegrir com o seu populismo, a sua xenofobia e a sua hipocrisia.  É imperativo que no seio da diáspora se vá além dos discursos oficiais, das celebrações abençoadas pelos poderes centralistas, e dos procedimentos ditatórias, embrulhados em cravos falsificados.  Esta é ainda uma oportunidade única para a própria diáspora se autoanalisar e caminhar para uma aurora onde os valores de abril sejam mais do que simples palavras circunstanciais em momento de festa efémera.  Já no século XIX Eça de Queiroz o dizia: “nestas democracias industriais e materialistas, furiosamente empenhadas na luta pelo pão egoísta, as almas cada dia se tornam mais secas e menos capazes de piedade.” 
A comemoração da Revolução dos Cravos na diáspora portuguesa nos Estados Unidos constitui um instrumento fundamental para a transmissão de valores essenciais às gerações futuras. Ao compreenderem os sacrifícios feitos pela democracia em Portugal, os jovens luso-americanos, e em particular os açor-americanos, adquirem um maior apreço pelos princípios democráticos que constituem a base das suas vidas nos Estados Unidos. Esta transmissão intergeracional de valores, não só fortalece a comunidade, como também contribui para a vitalidade contínua dos ideais democráticos num contexto americano mais amplificado.  Já Mário Soares, o escreveu: “A democracia está efetivamente em crise, por múltiplas razões. Entre elas, porque os estados nacionais estão a ser corroídos nos seus poderes tradicionais pela globalização económica e suas consequências.” 
Aproveitemos esta efeméride, que necessita ser mais do que uma noite de fado (a música utilizada pelo estado novo para romancear a pobreza) um caldo verde, ou um discurso de representantes de quem ainda não entendeu nem o processo democrático, muito menos a autonomia que os Açores devem ter, para levarmos dentro dos acontecimentos que nos marcam como diáspora nos Estados Unidos, e dentro dos passos que já demos dentro do mundo americano a mensagem da nossa Revolução.  É que não tenhamos dúvida: este cinquentenário é ainda mais uma oportunidade para fazermos pedagogia na nossa diáspora.  E essa pedagogia, essencial para as gerações mais distantes de Portugal (foram os avós e os bisavós que emigraram),  só pode ser feita com o nosso movimento associativo, com a academia (para além de meia dúzia de académicos a falarem para outra meia-dúzia), com as escolas (onde ainda há professores que queiram ir além do simbolismo do cravo sem explicação), dos políticos açor-descendentes e luso-descendentes que pouco ou nada sabem sobre os verdadeiros valores de abril, e da comunicação social, a que ainda tem alguma projeção dentro da comunidade, porque tal como o poeta americano Walt Whitman escreveu:   “A democracia política ... com todos os seus males ameaçadores, fornece uma escola de formação para fazer homens (e mulheres) de primeira classe. É o ginásio da vida, não apenas dos bons, mas de todos.”
A comemoração da Revolução dos Cravos no seio da nossa diáspora nos Estados Unidos tem um significado incomensurável. Para além de honrar acontecimentos históricos (o 15 de abril e os 50 anos da ditadura), reforça os valores democráticos partilhados entre Portugal e os Estados Unidos (mesmo quando estamos salpicados por Trumps nos EUA e pequenos trumpistas em Portugal), encoraja a participação cívica, reforça a identidade cultural e transmite valores essenciais, os genuínos valores de abril às gerações futuras.  Na realidade, tal como disse Vasco Gonçalves:  “o 25 de abril relembra-nos de que a força de uma nação está na coragem de seu povo em resistir à injustiça.”  
Ao fomentar um profundo apreço pela democracia, esta celebração, em cada canto e recanto da diáspora, torna-se uma força unificadora que enriquece a experiência luso-americana, enquanto contribui para uma narrativa mais ampliada, particularmente num momento em que crescem algemas dentro da democracia norte-americana.