Quanto vale a experiência no CV?

 

Em qualquer processo de recrutamento e seleção, um dos primeiros critérios a definir é o nível de experiência a requerer dos candidatos. Neste campo, a maioria dos recrutadores concordará com uma relação direta entre a experiência passada e o desempenho futuro, ou seja, que quantos mais anos de prática o candidato tiver, maior performance originará no novo cargo. Mas será assim tão linear, esta correlação? Vários estudos da psicologia organizacional realizados na última década mostram que depende de alguns fatores.
O primeiro mito a combater é o de que “quanto mais experiência, melhor”. Na verdade, um trabalhador que se mantenha cinco anos (em média) no mesmo cargo, sem nunca mudar de funções nem de empregador, atingirá o plateau da evolução, ou seja, tende a estagnar. Para que evolua, deverá mudar alguma coisa na equação: o cargo, as funções ou o empregador.
Outro mito é o de que os candidatos com mais experiência necessitam de menos tempo para aprender e atingir a velocidade de cruzeiro nas novas funções. Esta crença leva os empregadores a solicitar anos de prática até aos estagiários — quando os candidatos não os podem ter. Mas os estudos concluem que o número de anos em funções semelhantes raramente é um indicador de aprendizagem rápida, pelo contrário: por vezes é necessário “desaprender” hábitos anteriores para assimilar os novos. Sob o olhar da psicologia, a capacidade de aprendizagem não é aferida no currículo vitæ — é uma aptidão avaliada em testes psicotécnicos ou em dinâmicas de grupo.
E se um candidato possui experiência relevante num cargo com o mesmo título? Sugere-se atenção nestes casos, porque um “técnico administrativo”, por exemplo, pode desempenhar tarefas completamente diferentes dependendo do ramo onde trabalhou. A performance de um novo membro da organização correlaciona-se muito mais com outros fatores, tais como: a confiança grupal; a qualidade da liderança; e ainda a adequabilidade dos processos de onboarding (ou de integração). Portanto, olhar para dentro antes de olhar para fora.
Todavia, existem situações em que a experiência é uma boa preditora do desempenho. Segundo os estudos referidos, a variável que deve ser considerada é a complexidade das funções, mas somente em dois cenários: quando as funções são de muito baixa complexidade ou de muito alta complexidade.
Um cargo de baixa complexidade pode ser, por exemplo, operador fabril ou ladrilhador — estas pessoas desenvolvem destreza manual e conhecimento empírico relevante para a prática. Um cargo de alta complexidade pode ser, por exemplo, piloto de avião ou cirurgião — estes indivíduos conjugam longas aprendizagens com procedimentos intricados que tornam igualmente relevante a experiência adquirida. Nos cargos de complexidade média, como administrativo ou comercial, os anos de experiência já não conseguem prever um melhor desempenho, sendo necessário indicadores adicionais, como certos padrões comportamentais, avaliáveis em simulações de trabalho ou com questionários de personalidade.
Por todas estas razões, exigir muitos anos de experiência para as funções de complexidade média pode ser desnecessário. Além de não garantir uma melhor produtividade, afastará aqueles candidatos cujas competências surpreendem, e é esse o talento escondido que ansiamos encontrar.