António Variações: na surpresa sempre a certeza

 

Em fevereiro de 2020, a Marcha Oficial das Sanjoaninas (MOS), na sua vertente de promoção da cultura, organizou e apresentou, no Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo, o espetáculo Eu, Variações, peça de teatro sobre a vida pessoal de António Ribeiro/a vida artística de António Variações, com texto de Ricardo Mesquita de Oliveira e Pedro Martinho, e encenação de Rafael Ribeiro Rodrigues. 
A história de Eu, Variações está disponível num livro com título homónimo, da autoria de um dos guionistas e protagonista da peça: Ricardo Mesquita de Oliveira. Li o livro (envio generoso do autor) quase mal o recebi, porque a afeição que se instalou entre a comissão da MOS e a equipa de atores e técnicos a isso o obrigam. Eu, Variações (o livro) é o testemunho de um sonho pessoal de vingar no mundo do espetáculo, não por desejo de fama, mas por inerência de viver, por correr em veia acelerada a alma cénica. O Ricardo é de tal modo emotivo que nos transporta (quase em pele contra pele) para sua sofreguidão sadia. E esta paixão pelo teatro afirma-se, quase que por magia, na ligação à figura de António Variações. É desta associação que vive o livro: o que levou o ator a recriar a vida de António Ribeiro/António Variações, quais as fases de criação e de evolução dos espetáculos, onde começou e onde concluiu a encenação (e, sobretudo, com que efeitos), que meios teve ao seu dispor para promover a(s) peça(s), o que ganhou pessoal e profissionalmente com este novo corpo, que assumiu durante anos.
Tive a honra de, ao lado de outros testemunhos tão ou mais impressionistas, escrever um texto de opinião sobre a minha relação com a peça e com o Ricardo e restantes elementos da equipa. Esse meu texto está lá também, no livro Eu, Variações. É um texto--homenagem a todos os atores, a todos os técnicos, a todo o seu trabalho de criação, à amizade que se apoderou de nós em poucos dias, à força organizativa da MOS (da comissão e dos marchantes envolvidos), mas é de igual modo, sem sombra de dúvidas, um texto-homenagem ao homem que foi António Variações (pessoa e artista), àquilo que trouxe a Portugal, àquilo que continua a ser preciso trazer a Portugal… 
De facto, o António está vivíssimo. Basta estar atento às várias manifestações da sua presença. Nos últimos anos, para além de encontros académicos sobre a sua obra musical, há imensas presenças artísticas que se impõem: álbuns de recriação das suas músicas, peças de teatro e livros… muitos livros. 
Em texto anterior, neste mesmo jornal, já me referi à biografia oficial de António Variações, de Manuela Gonzaga. Recupero essas palavras: “Este livro de Manuela Gonzaga é o único que trata de forma aprofundada a vida e obra deste ícone da música portuguesa, cada vez mais reavivado na nossa memória e que, em novembro de 2020, recebeu a título póstumo a condecoração de comendador da Ordem do Infante D. Henrique. De facto, este extenso trabalho de pesquisa de Manuela Gonzaga, agora numa segunda versão, recorda todo o percurso de vida do cantautor, desde a sua infância no Minho às suas viagens pelo mundo e ao seu estabelecimento em Lisboa, onde de cabeleireiro se tornou cantor; um cantor com garra, que quebrou tradições, que abalou convenções, que enfrentou preconceitos e que nos ensinou a todos que devemos respeitar a nossa individualidade e a dos outros, porque todos somos dignos seja de que forma formos. Uma obra excecional, esta, que a cada página virada anuncia a força de vontade na busca dos sonhos, na procura da concretização pessoal. Magnífico!”
Uma outra biografia deste artista é a escrita por Bruno Horta, com ilustrações de Helena Soares: António Variações. Uma biografia. Este livro procura ser uma reescrita da vida de Variações, inspirada aqui e ali pelo livro de Manuela Gonzaga, valendo-se, porém, da imagem para dar cor ao texto, como uma espécie de brincadeira com o colorido que o furacão António Variações trouxe ao cinzentismo da nação. É, efetivamente, um texto de leitura clara, quase como que escrito para jovens que queiram conhecer as características principais de António Variações, como pessoa e como homem do espetáculo. Mas, a meu ver, a vertente mais importante deste livro é a que remete, também aqui, para o facto de que Variações rompeu tradições e preconceitos. Muito significativa é, por outro lado, a opção da divisão do livro em capítulos designados por títulos de músicas do artista, olho piscado diretamente à sua vida e à sua obra. 
Para além destas referências bibliográficas, é incontornável um outro livro: a fotobiografia António Variações, de Teresa Couto Pinto, agente, fotógrafa e amiga deste fenómeno da música portuguesa. É um livro-imagem, com texto de Manuela Gonzaga, despido de tabus, que nos apresenta às claras (muito às claras) a essência de Variações, a sua irreverência, o seu exotismo criativo (parece-me redundante, mas intensifico), a sua capacidade de provocação, de surpresa constante, para desmontar convenções, estigmas, palas… 
Todos estes livros, todos sem exceção, servem para isso mesmo: valorizar a individualidade de António, por extensão a individualidade da cada um de nós, o nosso potencial pessoal para a aprendizagem da vida, da aceitação do outro e da felicidade comum. A célebre fotografia em que António Variações surge com uma tesoura sobre os olhos traz-nos esta mensagem cívica: estando aberta, forma um A(ntónio) e um V(ariações) localizados sobre um olhar que fisga um mundo que se pretende outro, que corte com intolerâncias bacocas, que rasgue as filas indianas do pensamento e nos permita a todos compreender que a vida é feita de múltiplos comuns…

 

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