Grande Senhor

                                             

Ilustrando dignidade e elegância, a foto circulou, célere, pelas redes sociais, mal a notícia saiu, triste, da Ilha para o mundo. A fogosa Ilha Lilás acabara de perder uma das suas figuras mais proeminentes, um dos seus nomes mais respeitados dentro e fora dela. Os Açores assumiram o luto imediato, por se tratar de um dos seus ilustres pilares na implantação da sua autonomia regional. O Dr. Álvaro Monjardino tinha a idade do meu saudoso pai, que sempre se referia a ele de forma bastante elogiosa, reforçada unanimemente nos últimos dias por quem o conheceu e sempre respeitou como um ser humano grande no seu carácter, conhecimento, postura e visão fora de vulgar. Um homem sábio que se destacou na sua área profissional como brilhante advogado ajudando tanta da nossa boa gente e que jamais será esquecido também pela sua intensa dedicação às causas a que se entregou de alma e coração. 
Eternamente grata pelo seu decisivo contributo na honrosa obtenção do estatuto de cidade património mundial concedido pela Unesco, Angra do Heroísmo, seu berço natal, ostentará para a posteridade um enorme orgulho neste seu brioso filho que sempre dispensou quaisquer apresentações nas nossas formosas Ilhas de Bruma. Boa pessoa, sem dúvida, sem se deixar deslumbrar pelo atributo público de alta personalidade, o Dr. Álvaro Monjardino disfrutou duma vida muito rica em contribuir para a boa imagem da sua terra e das nossas gentes. Não admira agora, por conseguinte, a vénia solene de inúmeros conterrâneos, e não só, gente grada de todo o território nacional elogiando-o como um verdadeiro senhor e o principal arquiteto do regime autonómico consolidado no nosso airoso arquipélago já vai para meio século. Indivíduo dotado de excecional inteligência e dum carisma impressionante, soube estar na política de forma elevada e edificante, mormente através do seu competente desempenho de oito anos como Presidente da Assembleia Legislativa dos Açores. 
Foi nesse já distante período dos sacudidos anos setenta, deveras marcantes no percurso histórico português, era eu então um jovem estudante no Seminário da Angra cidade formosa nessa nostálgica era, que me deixei impressionar pelo vulto culto e cativante na sua forma de comunicar que era então o sr. Doutor Monjardino. A sua amizade com alguns dos meus sapientes professores fê-lo aproximar-se, amiúde, dos círculos de convívio cultural promovido pelas nossas famosas academias no Seminário e não nego ter dele assimilado valores na minha juventude que ainda hoje prezo em cultivar no meu sensato modo de viver. Numa sociedade cada vez mais esvaziada do bom senso a que fomos habituados noutros tempos, apraz-me apegar-me ainda a esse equilíbrio e ponderação embebidos na preciosa pacatez dum tranquilo mundo ilhéu que jamais deixaremos de recordar. 
Não nego que, nestas emocionais situações de aceno final a quem se vai desta para melhor, por vezes, chovam elogios porventura demasiado exagerados e nem sempre devidamente honestos. Não é o caso aqui, porque o legado incontornável deste integro homem de bem, convida-nos a refletir nos dias de hoje, fartos que andamos de lamentar o descarado oportunismo de tantos eleitos indivíduos que se servem da política, em vez de servirem quem os elege. Gente que diz, desdiz e se contradiz sem pisca de vergonha na ponta do nariz a luzir de tanto ouvir mentir. É pena, mas não se trata de nenhuma novidade neste mundo perigosamente manipulado por interesses, intenções e atrevimentos, para não falar em trapaças, que deixam muito a desejar. E com os trapaceiros a aumentarem cada vez mais, a olhos vistos, um pouco por todo o lado, torna-se, sem margem para quaisquer dúvidas, um sinal de crescente preocupação nos nossos dias toparmos cada vez menos candidatos ao serviço público exibindo a integridade patenteada em vida pelo Dr. Álvaro Monjardino.
Naturalmente que muito mais se poderia acrescentar a este tipo de texto, com tendências redundantes nestes casos de despedida fúnebre de alguém que se evidenciou superlativamente pela positiva na sua longa caminhada terrena, todavia prefiro-o limitado ao testemunho simples e sucinto, cá dos confins da Diáspora, em jeito de tributo sincero partilhando o comum sentimento de imenso pesar por parte de quem muito admirou este grande senhor que acaba de nos deixar.
Paz à sua alma.