Blog Comunidades deixa de existir...

 

O blogue Comunidades regista o seu nascimento oficial a 25 de Fevereiro de 2008. Para já arranca com duas assinaturas, uma do Canadá e outra do Brasil, ambas com raízes profundas nos Açores. Ao longo do tempo este blogue registará outras participações, a partir das nossas comunidades.”                      
Gabinete Multimédia Açores, 25/2/2008
 
Janeiro de 2008. Uma ligação telefônica cruzou o Atlântico e a voz do jornalista Pedro Bicudo, com sotaque “corisco” de quem andou pela América, se fez ouvir num grande desafio: Que tal assinar um Blog dirigido à produção cultural das Comunidades? Trata-se de um projeto inovador que vai aproximar os Açores das Comunidades da Diáspora Açoriana.  
O convite tentador e irrecusável de Pedro Bicudo, então Diretor da RTP Açores, abria uma porta imensa e, afoita, entrei sem entender bem o que iria acontecer depois que a porta se fechasse. Mas, com a absoluta certeza eu já estava “dentro” para o que desse e viesse. Respondi com todas as letras: Sim, aceito!! Se o convite era irrecusável aceitá-lo foi um grande desafio para quem começava a engatinhar pelas novas tecnologias da comunicação e mal sabia “emailar”, parafraseando o saudoso escritor baiano João Ubaldo Ribeiro. Era o começo da nossa história. 
Foi assim que há 15 anos, a 25 de Fevereiro de 2008, a açoriana Irene Maria F.Blayer desde Ontário (Canadá) e eu, Lélia Pereira Nunes, desde Florianópolis, Ilha de Santa Catarina (Brasil) orientadas pelos incansáveis e pacientes técnicos António Gil e Luciano Barcelos, integrantes  do grupo  multimedia, inauguramos o Blog Comunidades, hospedado no site da RTP Açores, com a missão de difundir, de dar a conhecer a escrita criativa inspirada no imaginário açoriano e produzida por vozes açorianas dispersas por comunidades espalhadas no grande “mapa mundi”. Um espaço aberto ao diálogo plural e pronto para a partilha de literaturas e expressões culturais e artísticas da nossa gente. Dois dias depois, 27 de fevereiro, colocava online o meu primeiro post. Do outro lado do equador,  minha competente parceira começava o seu caminhar. Lado a lado, semana a semana, fomos aprendendo a lidar com a tecnologia do blogue e conquistando este espaço virtual com o firme compromisso de divulgar e aproximar a grande comunidade açoriana e fazer ressoar por todas as latitudes as suas Vozes. A cada ano aumentava em centenas os colaboradores e em milhares as postagens vindas de todas as geografias. Pelas minhas contas, considerando que a minha última postagem foi em novembro de 2021, calculo que divulgamos cerca de quinze mil contribuições. Alguns tinham até “cadeira cativa” como o escritor açoriano de São Jorge a viver na Amadora, Olegário Paz que, por anos a fio e a cada sábado, chegava-nos pontualmente com “Porque hoje eh Sábado” numa rica compilação de poemas e poetas açorianos ou de coração. Foram centenas de poemas escritos, recitados e ilustrados com arte e música portuguesa de sua eleição resultando na obra Os Açores nos Versos dos Seus Poetas (Letras Lavadas,2020). Katharine F. Baker, a Kathie, lá de Pittsburgh (Pensilvânia) se fez presente com textos de inúmeros autores açorianos vertidos para o inglês, destaco: Victor Rui Dores, Onésimo Almeida, Urbano Bettencourt e Adelaide Freitas. 
Sim, por 15 anos celebramos a produção literária e artística, festejamos as conquistas, as premiações e reconhecimentos e lamentamos as perdas. Vozes que silenciaram e deixaram para trás sementes do seu labor na prosa e no verso – reverenciamos os 35 anos da morte de Vitorino Nemésio, lembramos Emanuel Félix a cada 14 de fevereiro; choramos a partida de Daniel de Sá a 27 de maio de 2013 e, três anos depois, de Marcolino Candeias (Angra brother) também num dia de maio em tempo de Espírito Santo.
Um desfile de nomes emerge da memória e quero citá-los, mesmo sabendo que muitos ficarão retidos nos recônditos da minha memória: Tomaz Borba Vieira, Daniel de Sá, Eduíno de Jesus, Onésimo Teotónio Almeida, Vamberto Freitas, Adelaide Freitas, Urbano Bettencourt, João de Melo, Álamo Oliveira, Diniz Borges, Norberto Ávila, Eduardo Bettencourt Pinto, Dora Nunes Gago, Pedro Almeida Maia, Angela Almeida, Nuno Vieira, Amílcar Neves, Carlos Stegmann, Arante José Monteiro, Joel Neto, Vasco Pereira Costa, Ivo Machado, Osvaldo Della Giustina, João Ubaldo Ribeiro, Antônio Olinto, Arnaldo Niskier, Godofredo de Oliveira, Laerte Tavares, Péricles Prade, Sérgio da Costa Ramos, Francisco Cota Fagundes, Carlos Enes, J.Luís Medeiros, Nuno Costa Santos, Victor Rui Dores, Pedro da Silveira, Vasco Rosa, Dias de Melo, Osvaldo Cabral...e tantos nomes mais, representantes da grande malta de escritores açorianos. Escritas e vozes nos mais diferentes sotaques em intensa e constante mobilidade que, por avenidas do mar ou asas do vento, se encontraram ou se cruzaram nos Açores onde tudo começou. Assumimos o desafio de participar de um projeto original, uma experiência única, sem cores partidárias.  Um esforço de ações conjugadas que valeu muito a pena pelo conhecimento divulgado e até por gerar ideias inspiradoras de novos projetos. Tanto é que, por unanimidade, a Câmara Municipal de Florianópolis, Santa Catarina, atribuiu às editoras do Blogue Comunidades a Medalha de Reconhecimento Cultural. 
O Blogue Comunidades deixa de existir… A pá de cal foi dada no dia 30 de julho de 2023 por email, curto e definitivo: “Em breve ocorrerá uma migração da plataforma que sustenta o site da RTP Açores, à semelhança do que está a ocorrer com todo o Grupo RTP, e vamos ter um site completamente renovado.(...) Sendo assim, informo que o “Blog Comunidades”, deixará de existir e não será alvo de mais publicações. Após a migração, ficarão disponíveis as publicações efetuadas a partir do ano 2018 de modo a salvaguardar partilhas e consulta de artigos.”
Não só o Blogue Comunidades deixou de existir como toda a sua Memória de 2008 até 2017 foi simplesmente apagada, enterrada junto com o Comunidades. 
Fico emocionada ao prantear o arquivo da nossa memória que se esvai no simples deletar deste grandioso projeto que tantas alegrias ofereceu e recebeu e, sem dúvida, foi reconhecido.
O testemunho do jornalista Sidônio Bettencourt, em 2013, ao chamar de “Fantástico o Comunidades nas páginas da RTP Açores. Duas mulheres açorianas – mesmo distantes uma das outra estão aqui tão próximas trazendo sempre este saber contemporâneo, esta permanente revisitação de grandes autores açorianos e outros nomes da nossa poética, literatura, história e geografia.” O recado do escritor Nuno Vieira “...habituei-me a abri-lo semanalmente, numa visita obrigatória - quase vício - Lá encontro sempre a mesma ordem: o melhor que se pensa, se escreve, e se inventa nas Comunidades, numa urdidura de dedicação e carinho.” 
A palavra do jornalista Santos Narciso, Diretor Adjunto Correio dos Açores, em 2012:  “Sigo atentamente o blogue Comunidades que se tornou acervo de grandes trabalhos e casa de notáveis nomes nas letras e na arte, mas acima de tudo no testemunho deste sentimento de ser Povo que aqui se espraia. No blogue marcam-se tempos, de cá e de lá! No blogue assinalam-se tradições e afirmam-se convicções, como se o mundo coubesse num espaço virtual que dá gosto percorrer e sentir. Eu sinto! E somo a alegria de algumas vezes ter contribuído para essa partilha de letras que acorda sonhos tecidos de ausência e saudade e debruados de mundos diferentes, espelhos da mesma alma. Por isso mesmo, fica o meu abraço a todos os que o fazem, nas pessoas de suas coordenadoras Irene Blayer e de um modo especial a minha querida amiga Lélia Nunes e que continuem, porque se não é uma ‘selecta literária’ é um enorme dicionário de afectos. Que eu gosto de consultar.”
E a cabo, as palavras de Daniel de Sá em 2011: “Comunidades?... Geograficamente, sim. Estamos por este mundo fora tão divididos, tão separados uns dos outros…As ilhas, arquipélago de alto mar, transfiguraram-se em ilhas de gente sobre terra firme. Mudaram no mapa, não mudaram na alma. Para um ilhéu, dizer “a minha ilha” não é metáfora. Porque o normal é pertencermos à ilha e a ilha pertencer-nos.
Comunidades?…Humanamente, não. O sentimento é o mesmo e a referência não se perde. Não importa a terra aonde foram, não importa o tempo da separação. Ainda que mude o sotaque ou a própria língua madre, a alma, o coração, teimosamente permanecem. Ou oscilam entre o cá e o lá dos afectos. Sem culpa nem remissão. “Comunidades”… Um “blog” de entre o cá e o lá que nós somos. Por isso de nós todos. Os que nele escrevem, os que apenas o lêem, os que não sabem, até, que ele existe.”
Deixo abraço emocionado e muito agradecido a todos os colaboradores dispersos pelo mundo açoriano e parceiros desta história que chega ao fim.
Fica a grande saudade do “nosso” Blog das Comunidades