O tempo dos heróis.

 

 

O pão faltou cá em casa. Nada de transcendente já que não compramos nem consumimos pão diariamente. Contudo, nestes dias, há mais torradas para fazer, mais vezes ao dia, e mais leite e manteiga a serem gastos. Já que era urgente irmos à rua fazer compras, elaborámos uma lista com o que já ia faltando e com outros ingredientes que, habitualmente, vamos adquirindo à medida das necessidades como carne, fruta e legumes. 
A pé, dirigi-me à venda mais próxima, a poucos metros de casa, e ao talho que fica logo ali ao lado. Cada um, de forma diferente, adotaram medidas para proteger clientes e os próprios. Perderão dinheiro, certamente, mas garantem que nada nos faltará. E nada ficou por aviar.
Felizmente, não são caso único. Como eles, tantos outros, estão de portas abertas. A verdade é que, nem um nem outro, produzem pão, leite, carne, manteiga, fruta, legumes ou qualquer produto que têm à venda. E nada disto cai do céu.
O leite continua a ser tirado das vacas todos os dias. O pão é sempre fresco, continuando as padarias a funcionar madrugada dentro para que não falte. Os criadores de gado permanecem a alimentar e a levar as suas rezes ao matadouro para que, nos talhos, a carne não falte. Nem de vaca, nem de porco, nem frango. Também não faltam os ovos que são produto que não nasce nas árvores nem brota das prateleiras.
As alfaces são frescas e os outros hortícolas continuam a ser colhidos e plantados por homens e mulheres que acordam cedo e os limpam, lavam e ensacam para que, mesmo em isolamento, possamos continuar a alimentar-nos de modo saudável. Não falta a fruta.
Mantém-se a distribuição, as fábricas de lacticínios, o matadouro, as estufas, os pomares e as hortas. Nada disto funciona sem gente. Sem seres humanos que, como nós, estão expostos à doença, mas que, por nós, vão trabalhar todos os dias, contribuindo para que o isolamento possa funcionar e a paz social se mantenha.
Os pescadores continuam a ir ao mar. Talvez das profissões mais esquecidas e sistematicamente ignoradas de todas. Dos que mais sabem viver em contingência e em isolamento, passando horas infindas, longas noites, como que perdidos no meio do oceano, ao sabor dos estados de espírito da Mãe Natureza.
Continuamos a ter eletricidade em casa, água na torneira, o lixo a ser recolhido, os telefones, internet e televisão a funcionarem. Temos fornecimento de gás e abastecimento de gasolina. Continuamos a conseguir entretermo-nos, a ver filmes, séries, desenhos animados. Continua a ser possível ver programas de informação, a receber notícias a todo o momento. Os jornalistas continuam na rua a fazer o seu trabalho e os órgãos de comunicação social, nas suas diferentes plataformas, não abandonaram o seu posto.
As gentes das artes e da cultura, que agora não têm palcos para atuar ou galerias para expor, através das redes sociais e internet em geral, disponibilizam o seu trabalho e as suas obras para que todos possamos desfrutar deles e, ao mesmo tempo, perceber como é tão cinzento viver sem arte.
Também os empresários que tiveram de fechar a porta das suas empresas, ficando sem rendimentos e sem ter capacidade de produzir e que, ainda assim, vão manter os postos de trabalho dos seus colaboradores porque acreditam que melhores dias virão.
Para o fim desta interminável lista de heróis, certamente incompleta, deixei os da primeira linha, os que cuidam de quem sofre, os profissionais de saúde, médicos e enfermeiros, incluindo também os técnicos de diagnóstico, de laboratório, pessoal auxiliar, e condutores de ambulância. As farmácias. Os psicólogos. Os bombeiros, as forças de segurança e os militares. Os serviços de apoio domiciliário e os cuidadores em geral. 
Os que em casa, idosos, cuidam de idosos. 
Obrigado a todos. São os heróis desta guerra. A nós, resta-nos retribuir. E a melhor forma de o fazer é respeitá-los fazendo a nossa parte. Ficar em casa. Caso contrário, de nada servirá o esforço e a dedicação de toda esta gente. 
Seja um agente ativo de saúde pública! Seja também um herói!